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quinta-feira, 18 de julho de 2024

Falemos outra vez de milhões e tostões


"O que têm comum o Real Madrid, o Boavista, o Sindicato de Jogadores e a Seleção Nacional feminina? Mais do que parece, embora em proporções totalmente inversas

Kylian Mbappé foi apresentado em Madrid perante 80 mil pessoas no estádio Santiago Bernabéu. Tomara dois terços dos clubes das Ligas profissionais portuguesas terem 80 mil pessoas no estádio, em acumulado e repetindo utilizadores únicos, durante toda uma temporada. As camisolas do Real com o novo número 9 estampado esgotaram num ápice e estima-se prazo de seis semanas para reposição de stocks. Lá haverá gente em lista de espera.
No mesmo dia, a 590 km, no Porto, um jogador rescindiu com o Boavista por falta de pagamentos acordados para os últimos dois anos. A SAD do Bessa garante que não se trata de salários em atraso e o jogador não desmente. Fala, porém, de «compensações e prémios» que lhe eram devidos. Seguir-se-á uma batalha legal e dirão os tribunais quem tem razão. Uma coisa parece certa: num futebol economicamente saudável não haveria espaço para estas dúvidas. Os empregadores contratariam e os empregados receberiam. Ponto. Sabemos que não é sempre assim em Portugal, sucedendo-se casos aos quais, ano após ano, o Sindicato acorre para ajudar futebolistas e a Liga ou a FPF pouco podem fazer por estarem amarradas a procedimentos legais e burocráticos que têm pouco a ver com o espírito das próprias leis, antes com a sua execução e respetivo contorno por parte de advogados (provavelmente sem honorários em atraso).
No mesmo dia, a pouco mais de 600km, em Odivelas, jogadores de futebol desempregados efetuavam um jogo-treino com o 1.º Dezembro na esperança de que um olheiro, um empresário, um dirigente — alguém, por favor! — os visse e lhes conseguisse um contrato que seria sempre a prazo, certamente não milionário e sabe Deus se cumprido. Volto a um tema que me é caro: sempre que pensarem em Mbappés e Ronaldos, lembrem-se dos milhares de sonhos que esbarram na realidade, na falta de sorte ou (quase sempre) na falta de um talento correspondente às expectativas.
Ainda no mesmo dia, a 550 km, em Leiria, a Seleção Nacional atuava em casa sem mobilizar os portugueses num final de tarde de verão. Estranho? Não, se acrescentarmos que a Seleção em causa é a feminina. Apesar do enorme trabalho que tem sido feito por clubes e federação, a evolução e o caminho tendentes à igualdade ainda esbarram na realidade do interesse das pessoas. O trajeto faz-se caminhando, mas não é possível transpor montanhas inexploráveis.
Há um fosso a separar o Real Madrid do Boavista, do Sindicato de Jogadores e da Seleção feminina — chama-se poder económico. Não se transpõe esse fosso só com boas intenções. Mas é bom que comecemos por elas, ou lhes demos continuidade."

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