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quarta-feira, 1 de março de 2023

Escandinávia e SL Benfica | Com calma, renova-se o sucesso


"Schjelderup e Tengsted vão por estes dias conhecendo o ritmo português ao serviço da equipa B do SL Benfica, ganhando o que perderam desde a paragem das competições do Norte da Europa, finalizadas no Outono passado.
Aos prodígios afigura-se futuro de muitas e sucessivas proezas, conseguindo o Benfica adiantar-se a outros caçadores de maior nomeada na selecção do talento a surgir num futebol nórdico que volta a estar na moda, seja pelas boas prestações duma selecção dinamarquesa que grita estilo nas grandes competições ou duma vaga norueguesa que provoca o salivar dos mais atentos analistas, com Haaland e Odegaard a causar gigantesca onda de impacto mediático na qual surfam os restantes integrantes dessa geração de Ouro.
Fez bem o Benfica em aproveitar o filão oxigenado para aumentar o leque de Roger Schmidt. Pela qualidade dos rapazes e por toda uma tradição do clube, iniciada nos anos 80 e perdida em meados da década seguinte, com as peripécias interpretadas por Martin Pringle ou Karadas – o norueguês ponta-de-lança que, apesar de importantíssimo no título de Trapattoni, nunca se destacou pelas qualidades futebolísticas, transferindo-se logo depois para Inglaterra, para um Portsmouth em ascensão, onde se tornou… defesa-central.
A ligação que se iniciou com Sven Goran-Eriksson foi já documentada ao limite, num aproveitar claro dessas insistentes recordações que transbordam da memória colectiva e das quais é fácil sentir saudades, por todas as façanhas do Benfica por esses anos: campeonatos nacionais, finais europeias e cinco loiros craques que deram ao carrossel técnico encarnado uma tão necessária dimensão física, elevando o Benfica a real competidor pelos títulos continentais.
Na génese dessa bonita história esteve Börje Lantz, o primeiro empresário sueco com foco no futebol e que chegara a Portugal no início dos anos 80, aventura que resulta dum sem número de divertidas bifurcações do destino: conta-se que em 1958, no Mundial jogado na Suécia, convencera a comitiva brasileira – a vencedora do torneio, quando Pelé se revelou ao planeta – a levá-lo para o Brasil.
Pelos vistos sabia-se vender tão bem que foi rapidamente aceite naqueles meandros, aproveitando para fazer nome na América do Sul como intermediário, acumulando dinheiros valentes – gerados, por exemplo, pela responsabilidade na organização de tours do Flamengo pela Europa… – e criando ligação especial com as maiores figuras daquele futebol. Alargou rede de contactos e foi construindo legado, como quando se antecipou anos á concorrência e percebeu o potencial da publicidade estática nas transmissões televisivas.
Ora, Börje aproveitou até onde pode e foi já depois de regressar à Suécia que se viu confrontado com imposições fiscais incómodas. Fugiu para Portugal, fixou-se em Cascais e, paralelamente a Manuel Barbosa (o responsável pelas transferências de Ricardo Gomes, Mozer ou Valdo), torna-se num dos intermediários da confiança de Fernando Martins (e João Santos, a seguir). Assim, foi fácil convencê-lo da ideia de substituir o competente, mas desgastado Lajos Baróti por um jovem sueco, que havia tornado os semiprofissionais do IFK Gotemburgo no vencedor da Taça UEFA, depois de banalizar (4-0 a duas mãos) o Hamburgo de Ernst Happel – praticamente o mesmo Hamburgo que derrotaria a Juventus na final da Taça dos Campeões da época seguinte.
Fernando Martins sofreu ao comunicar a decisão aos restantes dirigentes encarnados. 18 deles, contestando veemente, demitem-se – mas Eriksson lá chegou, tímido e com a esposa, Anki, que causou furor por aterrar em Lisboa com uma camisola ás riscas verdes em fundo branco, naquilo a que Eriksson chamou, na sua biografia, de «disparate» cómico – «Fernando Martins sugeriu que, talvez da próxima vez que a senhora Eriksson fosse vista em público, pudesse usar outro género de toalete»…
Eriksson venceu os primeiros quinze jogos. Sem papas numa língua que era afiada mas comedida. Não precisava de mais. Sem falar muito, ganhou o respeito dum plantel cheio de estrelas – Bento, Humberto Coelho, Carlos Manuel, Alves, Diamantino, Chalana, Néné – malta experimentada e no topo da Europa a quem faltava apenas a disciplina das melhores equipas. Sven teve que os trabalhar taticamente e ajustá-los ao 4-4-2 que era regra em terras suecas, herança inglesa que Roy Hodgson e Bob Houghton haviam introduzido na Allvenskan com grande sucesso. 4-4-2, a marcação á zona, a verticalidade e o futebol prático de pressão alta e exploração da profundidade (o mesmo registo que sobreviveu até bem recentemente, vide 2018-19 e Bruno Lage) e o Benfica, estimulado por aquele choque cultural, pulverizou recordes, foi campeão na Primavera e chegou à primeira final europeia em 15 anos.
Em Janeiro desse ano, Sven percebeu que ainda faltava alguma coisa. Falou com Börje, Börje tratou do assunto com Fernando Martins: e ao meio-campo encarnado chegou Glenn Stromberg, ex-pupilo no IFK Gotemburgo e que provocou reacções dispersas no campo mediático nacional. A Pedroto causou comichão, ficando famosa a expressão de “alto, louro e tosco”, mas Glenn rapidamente mostrou ao Portugal desportivo que ao lado técnico dava jeito a força e a rapidez de processos. Stromberg era um 8 moderno, que cavalgava atrás e à frente sem grande paciência para adornos fúteis. Meses depois, em Agosto de 83, chegava Michael Manniche, dinamarquês de 24 anos, decorador de montras durante o dia e goleador à noite, ao serviço do para nós desconhecidos Hvidovre, por quem ganhou campeonato e taça.
Tinha 192 centímetros de altura e é fácil perceber o impacto que teve num futebol habituado a Nénés, Manueis Fernandes ou Jordões – o tal estilo de avançado letal, mas mais solto, mais deambulante e bola no pé. Manniche seria o apoio essencial aos criativos daquele Benfica e até 1987 faria 76 golos em 135 jogos – o que o tornou o melhor marcador estrangeiro do clube até ser substituido por Mats Magnusson, outro que chegou sob a asa de Borje Lantz, que já nesse Verão havia trazido outro treinador para a Luz: Ebbe Skovdahl, dinamarquês responsável pela excelente campanha do Brondby na Taça dos Campeões 86-87, na qual chegaram até aos Quartos de final para serem eliminados pelo FC Porto de Artur Jorge, futuro campeão.
Ebbe não durou muito tempo. Não tinha a finesse tática de Eriksson nem o seu carisma para lidar com um plantel de malta rija. Foi despedido em Novembro. Mas Magnusson adaptou-se bem, adaptou-se supersonicamente ao nosso futebol e à vida solarenga. Nesse ano é uma das figuras da equipa que chega à final europeia perdida para o PSV de Guus Hiddink, é campeão em 88-89 e Bota de Prata em 89-90 (33 golos em 32 jogos), em ano onde é um dos craques que tenta vencer o Milão em nova final da Taça dos Campeões – e atrás de Magnusson já perfumava o jogo encarnado Jonas Thern, outro médio de classe mundial com ligação a Lantz. Chegara à Luz com 22 anos a troco de 160 mil contos, transferidos para a conta do Malmö de… Roy Hodgson.
Depois dessa final, Thern (junto a Magnusson) viaja para Itália para participar no Mundial pela sua selecção: deu tanto nas vistas que é considerado, em Dezembro, o melhor jogador sueco do ano e, quando sai do Benfica em 1992, é para lá que vai. Primeiro Nápoles, depois Roma, até 1997, seguindo as pisadas de Stromberg, que também fez carreira naquela que á época era a melhor Liga do mundo. Nesse Mundial, pela ala esquerda nórdica encarrila Stefan Schwarz, outro a despontar no Malmö. Eriksson não descansou enquanto não o teve no Benfica. Schwarz seria uma das grandes figuras desse Benfica, sempre como titular à esquerda ou no meio, onde fazia valer o seu espírito combativo.
Eriksson, Thern, Magnusson e Schwarz seriam campeões em 1991, e atingiriam as meias-finais da nova Champions em 1992, cimentando em Lisboa a convicção de que da Escandinávia jorravam fontes de competência. Ideia que seria contestada pelas apostas seguintes.
Martin Pringle, carteiro de profissão, é contratado em 1996 ao Helsingborgs. Desde logo se percebe, no meio daquele Benfica a entrar vertiginosamente no lodo competitivo, que por muitas boas qualidades humanas que pudesse ter, Martin não era do mesmo quilate dos representantes anteriores.
Injustamente, ficou marcado como o princípio do fim da bonita história benfiquista naquele mercado – depois dele chegou Anders Andersson, sempre figura secundária num Benfica em recuperação; Azar Karadas aterrou em 2004, culminando assim as bons desempenhos pelo Rosenborg frente aos encarnados na época anterior – na Luz, teve momentos de brilhantismo que ajudaram no título, mas em condições normais nunca passaria dum útil suplente; e Daniel Wass, que nunca conseguiu hipóteses reais de exibição e saiu quase incógnito para França, onde iniciou a boa carreira que acabou por construir (Evian, Celta, Valência e Atlético). Quem cortou com essa má sequência entre Benfica e Norte da Europa, foi Victor Lindelöf, o central que por estes dias milita pelo Manchester United, onde já passou a figura de presença com a reformulação de Ten Haag.
Contratado ao irrelevante Vasteras ainda adolescente, foi já no Seixal que finalizou processo formativo. Estávamos em 2012 e até 2015 cumpriu 96 jogos pelo Benfica B, preparando-se para uma oportunidade na equipa principal que surgiria com uma onda de lesões na época 2015-16. Lindelöf é responsabilizado por Rui Vitória e à boa maneira escandinava, com uma frieza estranha para o mais comum dos latinos, agarra a oportunidade à primeira e é titular até 2017, ajudando a ganhar dois campeonatos e uma Taça, sucesso que chama à atenção de José Mourinho e recupera a mitologia do filão nórdico no Terceiro Anel.
Alexander Bah e Fredrik Aursnes impuseram-se com naturalidade no Benfica e deram sequência a essa ligação, que recuperou níveis de confiança e é agora semelhante à sentida no final dos anos 80. Têm a palavra agora Casper Tengsted e Andreas Schjelderup, que se forem bem aconselhados já sentiram nos ombros o peso do legado que transportam a cada dia passado de águia ao peito."

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