"O designado 'Benfica de Eusébio' encantou a Europa. Ao de hoje pede-se-lhe que esteja à altura desse legado brilhante de conquistas aquém e além fronteiras
Rui Costa fez bem em assinalar a vitória do Benfica sobre o Real Madrid na final da Taça dos Campeões Europeus, em Maio de 1962, e que corresponde à conquista mais importante da história da águia, por ter sido alcançada perante o gigante Real Madrid de Araquistáin, Santamaria, Pachin, Del Sol, Di Stéfano, Puskas e Gento, na altura pentacampeão europeu e que naquele jogo não só perdeu a sua invencibilidade como viu ser lhe retirado o estatuto de líder da Europa pelo desconhecido Benfica (2 títulos e 5 finais), o qual, durante toda a década de sessenta, conseguiu resistir à poderosa reacção «espanhola (Real Madrid, 2 títulos - 4 finais) e à forte oposição italiana (Inter, 2 títulos - 3 finais, e Milan 2 títulos - 2 finais).
Não foi um sucesso isolado. Depois de derrotar o Barcelona, um ano antes, na final de Berna, o fantástico triunfo sobre o Real Madrid, já com Eusébio na equipa, pelos números e pela dança do resultado, representou a afirmação de novo poder no futebol europeu, reivindicado e justificado pelo Benfica, mesmo sem uma retaguarda influente num país virado para dentro que o protegesse, nem a pontinha de sorte que lhe faltou em 65, quando Germano acabou a guarda-redes na final com o Inter, em 6, como há bem pouco tempo Humberto Coelho recordou em A Bola, naquele lance ao minuto 90 em que Eusébio, isolado, mas com o joelho desgraçado, não teve força para rematar e apenas encostou. O troféu viajou para Manchester por vontade dos deuses.
Em 2003, em Old Trafford, na final que consagrou Rui Costa também como campeão europeu com a camisola do Milan, Eusébio, então como convidado especial da UEFA, teve direito a uma sala só para ele a fim de responder ao interesse de jornalistas de todos os lugares do mundo. Pediu-me para ficar junto dele e, entre sai um - entra outro, confessou-me:
«Não percebo, nunca ganhei em Wembley e os ingleses gostam muito de mim».
Nunca ganhou, não porque não tivesse merecido, somente por imperativos do destino, para quem acredita, e os ingleses, que vivem o futebol como ninguém, acreditem. Por isso, os adeptos do Manchester United irão lembrar-se eternamente de Eusébio com a deferência devida a quem muito se admira.
Rui Costa fez bem em lembrar o ponto mais saliente da história da águia, ponto esse que apenas os mais velhos são capazes de avaliar na sua verdadeira dimensão, porque o testemunharam. O resto da família encarnada apenas terá uma vaga ideia. Tal como os futebolistas e até os treinadores, uns e outros poucos disponíveis para a exporem a comparações que lhes são manifestamente desfavoráveis e darem sinais de impotência perante tão aliciante desafio.
O designado Benfica de Eusébio encantou a Europa. Ao de hoje pede-se-lhe que esteja à altura desse legado brilhante de conquistas nacionais e internacionais que as áreas de comunicação promovem com pouco entusiasmo.
O Benfica proporciona aos seus praticantes condições de trabalho ao nível do melhor que se observa no mundo e no entendimento do Rui Costa a sua rica história deverá ser utilizada para mentalizar quem chega e também as novas estrelas. «Orgulhosamente podemos dizer que fomos duas vezes campeões europeus» e transmitir-lhes que é o que «queremos voltar a fazer».
Não é uma imposição, com certeza, apenas a expressão do grandeza do clube que, por respeito ao valioso património erguido pelos seus campeões europeus, reclama outro grau de exigência a jogadores e treinadores.
O administrador benfiquista reconhecer que o clube não tem tudo uma participação honrosa no espaço europeu é o mínimo, por estar a referir-se a uma evidência, e pedir que os desempenhos seguintes estabilizem em patamar elevado na Liga dos Campeões e, um dia, quem sabe, poder até ganhá-la, objectivo legítimo e que nem esteve assim tão longe em 2012 se tivesse havido mais cabeça e fibra, é a sua obrigação, enquanto quadro superior da águia, campeão europeu pelo Milan e figura internacionalmente prestigiada.
Gedson Fernandes desabafou, mas o seu desabafo entende-se mal. Com uma cláusula de rescisão de 120 milhões, ao dizer o que disse, não só se auto desvalorizou para aí em metade como admoestou as boas práticas da formação encarnada. Então o jovem Gedson não fazia ideia da realidade futebolística inglesa? Pela televisão, pensava ele que o jogo não teria a intensidade que na realidade tem, mas, no local, pareceu-lhe uma loucura em que nem conseguia acreditar.
Julgava ele que tudo seria semelhante ao ritmo de cá, mas enganou-se redondamente, porque lá, na Premier League, destacava, «é preciso lutar mais porque todos os jogadores dão a vida em campo». Aqui, pelos vistos, será mais para o estilo, tipo Jotas e afins.
Sem se dar conta, Gedson Fernandes questiona a mentalidade dos jovens talentos lusos, como ele, e acentua as imensas dificuldades que quase todos enfrentam na transição para a idade adula, além de pôr em causa as metodologias seguidas na academia do Seixal e, até, a orientação do trabalho de Bruno Lage. O recado de Rui Costa veio mesmo a calhar."
Fernando Guerra, in A Bola
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