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quarta-feira, 11 de abril de 2018

Bruno de Carvalho, o Sporting e o futuro

"O Sporting está numa situação muito complicada, de divisão interna, provocada pela mesma receita que ajudou a levantar o clube do estertor em que se encontrava quando Bruno de Carvalho lá chegou: a necessidade de aglutinação, que só podia ser conseguida através de uma estratégia populista e de apelo aos instintos mais básicos que existem no ser humano. Não vai ser fácil ao clube sair sem danos, nem é claro neste momento quem vai sair por cima. Certo é que haverá confronto e que, mais cedo ou mais tarde, ele era inevitável. E não, por muito que um dos lados queira transportar a questão para aí, não é um confronto entre os que gostam do Sporting e os que não gostam, entre o povo e os “croquetes”. É um confronto entre a emoção e a racionalidade.
Quer isto dizer que Bruno de Carvalho é um idiota que só faz uso da emoção para liderar? Não. Se acredita nisso, pode parar de ler já aqui. Da mesma forma que se acredita que ele é uma espécie de homem providencial também pode ir embora. Não é uma coisa nem outra. Sempre vi Bruno de Carvalho como um homem com um propósito. Concordei com muitos dos seus pontos de vista, da guerra aos fundos de investimento à luta pela institucionalização do vídeo-árbitro. Vi-lhe trabalho positivo na construção do pavilhão, na recuperação desportiva e financeira do clube, no aumento de competitividade do futebol e das outras modalidades, na capacidade de arregimentação de adeptos, que voltaram a encher os recintos onde as equipas jogam. Sucede que Bruno de Carvalho conseguiu tudo isto com uma estratégia demasiado arriscada, sempre no fio da navalha. Alguma vez havia de se espalhar ao comprido, que foi o que aconteceu quando, depois de abrir guerras ao Benfica, ao FC Porto, ao SC Braga, ao G15, à Liga, à FPF, aos árbitros, aos fundos de investimento e aos jornalistas – peço perdão se me esqueço de alguém –, levou a guerra para dentro do clube e atacou os jogadores. 
Não sei, obviamente, o que levou Bruno de Carvalho a escrever aquele primeiro post e, pior ainda, os que se seguiram. Se no primeiro quebrava a solidariedade institucional com um grupo que deve liderar, pondo-se fora de uma derrota ao apontar responsabilidades concretas e individuais a diversos jogadores, no segundo foi ainda mais longe, insultando-os e decretando de forma unilateral a sua suspensão – o que depois, ao não se concretizar, foi apenas ridículo. Mais graves ainda foram o post de domingo, publicado horas antes do jogo, com mais ataques aos jogadores, e os de segunda-feira: nestes, não só acusava um jogador – nunca concretizando qual, o que como se sabe é a estratégia mais normal num populista – de espalhar uma foto em que ele próprio está a ser assistido por causa da súbita dor de costas que o impediu de ir com o plantel agradecer o apoio das bancadas, como dizia o pior de Jaime Marta Soares, o presidente da Assembleia Geral que ele próprio escolheu. Se Marta Soares é tão mau que até foi corrido de Poiares, por que razão o escolheu para o cargo mais elevado do clube?
Vejo, à partida, três possibilidades nesta escalada do presidente do Sporting. Ou Bruno de Carvalho está a cavalgar esta onda de forma estratégica e aquilo que queria era criar condições para despedir o treinador com justa causa – se Jesus se recusasse a orientar os juniores contra o FC Paços de Ferreira, por exemplo, estaria desde logo despedido e teria de indemnizar o Sporting em sete milhões de euros, o valor do seu último ano de contrato – ou para vender os seus melhores jogadores no final da época, pondo os adeptos contra eles. Ou então está apenas a passar um período menos bom do ponto de vista emocional – o próprio disse na conferência de imprensa a que compareceu após o jogo com o FC Paços de Ferreira que anda “a lutar contra várias doenças”. Ou, por fim, ter-se-á limitado a calcular mal o risco inerente à sua própria estratégia, a tal estratégia de combate permanente, sempre no fio da navalha, onde o equilíbrio é mais difícil.
Ainda recentemente – e já depois de ter fechado a conta de Facebook e de a ter voltado a abrir “por causa do Spotify” – Bruno de Carvalho dizia que nunca iria deixar de comunicar no Facebook, alegadamente porque era muito bom a escrever. Não sei se é bom ou mau. Sei que o Facebook é, para Bruno de Carvalho, uma espécie de poção mágica que torna a aldeia de irredutíveis gauleses a que ele preside uma força difícil de derrubar. E ele também sabe disso. Está estudada a influência do Facebook, por exemplo, nas últimas eleições norte-americanas ou no Brexit: ao procurar o engajamento, porque isso melhora o negócio, o algoritmo do Facebook favorece posts que apelam aos nossos instintos mais básicos, favorece a paixão, o ódio, a emoção acima da razão, o radical acima do normal. Favorece aquilo que Bruno de Carvalho representa, que é o clubismo mais exacerbado: por alguma razão Bruno de Carvalho já escreveu no Facebook e disse na última conferência de imprensa que ele nunca vestirá outra camisola, enquanto que os futebolistas jogam por quem lhes pagar mais. É um ataque de uma demagogia inaceitável, porque os futebolistas são profissionais e o próprio Bruno de Carvalho trabalhará para outras empresas quando sair do Sporting, e de uma falta de lucidez ainda maior – por ser impossível hoje em dia fazer uma equipa vencedora só com jogadores que estejam num clube por amor à camisola. Mas em certas fações dos clubes – quaisquer clubes – funciona. No Benfica, por exemplo, há quem não perdoe a Luís Filipe Vieira o ter-se rodeado de diversos adeptos do Sporting. E, mesmo antes do Facebook, João Vale e Azevedo só perdeu as eleições porque do outro lado apareceu, à última hora, Eusébio.
E agora? Assobiado e insultado pelos adeptos no estádio, Bruno de Carvalho está acabado? Não é assim tão simples. Querendo ele continuar – e aparentemente quer, seja por espírito de missão ou porque precisa do salário – é seguro que vai dar muita luta a quem pretenda sentar-se na sua cadeira. Porquê? Entre outras coisas, porque a emoção – um dos tais instintos básicos de que falava acerca do algoritmo do Facebook – é muito importante nos clubes de futebol. A Holdimo, accionista de referência da SAD, debate-se com uma preocupação que é puramente racional: não quer ver os jogadores, que são os seus maiores activos, desvalorizados por quem tem por missão defendê-los e valorizá-los. Bruno de Carvalho não é hoje diferente do presidente que a Holdimo e os credores – com a banca à cabeça – apoiaram. Simplesmente desatou a desvalorizar os seus activos. Quem é que vai dar 60 milhões por Gelson se ele não sabe chutar à baliza? Ou por Bas Dost se ele vê amarelos por não querer jogar um desafio fundamental? Ou por Rui Patrício e William Carvalho, se eles são um problema permanente no balneário? E isso, em termos de gestão, puramente racional, é um gigantesco tiro no pé dado pelo principal responsável do clube.
Os adeptos, no entanto, focam-se mais na emoção, nas coisas negativas, nos erros defensivos, nos golos falhados. E, aqui, o Facebook voltará a ser a maior arma de Bruno de Carvalho: não é por acaso que ainda há muita gente a achar que o presidente tem de meter na ordem esses “meninos mimados”, que “só querem dinheiro”, como se fosse possível competir no futebol com jogadores amadores. Ou que ele é a única barreira que os defende do regresso ao poder dos “notáveis”, dos “croquetes”, como se alguma vez Bruno de Carvalho pudesse ter sido presidente durante todo este tempo sem o apoio e o suporte da banca (representada acima de tudo por José Maria Ricciardi) e de muitos desses notáveis e “croquetes”. Os adeptos, no entanto, não têm isso em conta. Trump ganhou a Hillary Clinton contra os mexicanos; o Brexit ganhou contra os terroristas e as multidões de refugiados que as fronteiras abertas levavam ao Reino Unido. Bruno de Carvalho mobilizou os sportinguistas contra os adversários externos e até internos – os tais “croquetes”. É por isso que não vejo fácil quaisquer tentativas da banca ou dos accionistas promoverem um golpe de estado.
Quem têm os “golpistas” para avançar? Figo? Jogou contra o Sporting e, no banco do Inter de Milão, até festejou um golo na baliza leonina. É importante em termos racionais? Não, porque ele era profissional do Inter. Mas seria uma bomba nas redes sociais em cenário eleitoral. Futre? Jogou contra o Sporting pelo FC Porto e pelo Benfica – e não é preciso repetir os argumentos. Rogério Alves? Admitindo que quer prestar-se à luta na lama que aí vem e prescindir da vida que tem neste momento – onde ganha muito mas muito mais dinheiro do que o Sporting alguma vez poderá pagar-lhe – é demasiado fácil colocá-lo do lado dos “croquetes”, pelas funções que desempenhou no passado. O mesmo vale para José Maria Ricciardi, se o banqueiro um dia decidisse deixar de ser o poder oculto para se ocupar visivelmente dos desígnios de um clube do qual, é preciso dizê-lo, é um adepto tão emocional como qualquer outro.
Se a banca e os accionistas de referência querem mesmo mudar, só têm um caminho: o garrote financeiro. Mas isso seria o pior para o Sporting. Aí, os racionais estariam a lutar no mesmo campo dos emocionais, correndo riscos de prejudicar seriamente o clube. É por isso que Bruno de Carvalho pode ganhar ou perder esta guerra, mas deve ter a lucidez de entender que a única forma de o Sporting não sair a perder é com um armistício. Imediato."


PS: Dá para perceber 'entre-linhas' a gigantesta angústia que o Tadeia está a viver... o seu herói está a dar tiros nos pés!!!

1 comentário:

  1. E até se "esquece" que se calhar o motivo real da palhaçada é que não há dinheiro para pagar os espréstimos!

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