"Acabei de ler livro fantástico, um livro em que, sem que este Benfica lá esteja, lá está em várias circunstâncias: Legado, de James Kerr - o livro em que os All Blacks ensinam como vencer-se na vida (e não só...).
O primeiro capítulo trata do carácter - e fala do espanto por que Kerr passou ao ver o que viu no segredo do balneário da selecção de râguebi da Nova Zelândia, depois de festejada uma vitória que fora mais do que uma vitória: os seus melhores jogadores pegaram em vassouras de cabo longo e desataram a varrer o chão, juntado lama e gaze em montículos, aparecendo, depois, outros a atirarem-nos para o lixo. Em pasmo, perguntou a Andrew Mehrtens, um dos seus ícones, a razão - e ele explicou-lha:
- Tem a ver com não estar à espera que outra pessoa faça o nosso trabalho. Ensinar-nos a não esperarmos que as coisas nos sejam dadas de bandeja. Se tivermos disciplina pessoal na nossa vida, vamos ter mais disciplina no campo. Isso é preciso se queremos que os rapazes puxem para o mesmo lado como uma equipa. Não queremos uma equipa de indivíduos. Aquele varrer do chão não garante que se ganhe sempre, mas vai, certamente, tornar-nos uma equipa melhor...
Ou seja: nesse mais do que simbólico varrer do chão há a força do exemplo (onde também entra o treinador...) e essa é a forma de se dar carácter especial à equipa - e, no râguebi ou no futebol (e na vida...), o carácter acaba sempre por triunfar sobre o talento. Ou dito melhor, como o disse um famoso treinador americano de basquetebol, o John Wooden:
- Vencer exige talento, voltar a vencer exige carácter...
E o que o ritual dos All Blacks lhes dá é o melhor espírito, na sua mensagem:
- Nunca sejas demasiado grande para fazer as coisas pequenas que têm de ser feitas para nos tornar maiores.
Por isso é que este Benfica é o que é - porque tem Rui Vitória, o Rui Vitória que entra em cada dia a varrer o chão do dia anterior - e leva os jogadores com ele."
António Simões, in A Bola
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