"Outra solução para as águias (e para os outros grandes) estaria num produto global criador de maior riqueza, mas essa é uma luta que levará muito tempo
Há duas formas de entender a derrapagem nas contas do Benfica: o descontrolo na gestão de Rui Costa e o modelo de negócio do futebol português. Se por um lado assistimos a uma deriva expansionista assente numa espécie de fezada, por outro continuam as limitações de crescimento de uma liga que não consegue abandonar a periferia e apanhar o comboio que a leve para o centro, o que ajuda a expor as debilidades dos passageiros, seja a águia que voou alto demais e terá de mudar de rota, ao dragão que tem o fair play financeiro da UEFA à perna, ao Sporting que para manter Gyokeres tem de se livrar de um pequeno diamante chamado Mateus Fernandes ou dos vários Boavistas que andam sempre na corda bamba, empurrando os problemas com a barriga.
No que respeita ao Benfica, há um óbvio problema: em 2022, no primeiro exercício sob a gestão do atual presidente, a SAD apresentou um prejuízo de €35 milhões. Justificação de Rui Costa: as vendas foram abaixo do preço habitual e estava em curso uma «reformulação do futebol profissional». Dois anos depois, essa «reformulação» tarda a dar frutos: novo prejuízo acima dos €30 milhões.
Não é preciso ser economista, basta estar atento à história recente do clube: o nível de custos com o plantel (e equipas técnicas, agora no plural) está acima das posses. Em novembro, confirmada que estava a saída prematura da Champions, publicámos em A BOLA que a SAD teria de vender jogadores em janeiro se não quisesse terminar o ano fiscal (até 30 de junho) com prejuízo. Porque nem a verba da UEFA nem os €65 milhões do passe de Gonçalo Ramos chegavam para compensar as despesas – e em ano de Europeu as grandes transferências só se fazem a partir do final de julho.
A melhor justificação até pode ser encontrada nas contas positivas de 2022/2023: nessa época (a do título), o Benfica conseguiu dois recordes de receita: bilheteira/corporate e prémios da UEFA. E teve o segundo melhor ano em transferências (muito graças à saída de Enzo Fernández para o Chelsea). Mesmo assim só apresentou um lucro de €4,2 milhões. Sem vendas, apresentaria um prejuízo a rondar os €60 milhões.
O que isto significa? A máquina tornou-se demasiado pesada. São mais de €240 milhões de gastos operacionais que poderiam ter levado a SAD a agir preventivamente e não tomar decisões que parecem ser muito reativas. Que consequências? Mais cedo ou mais tarde o Benfica terá de passar por um período de austeridade. Seja na necessidade de vender em maior quantidade (mínimo de €100 milhões/ano, o que enfraquecerá sempre o plantel) quer no maior controlo das compras, alterando o paradigma até agora adotado por Rui Costa.
A outra solução passaria por algo muito mais abrangente e estrutural: maior criação de riqueza pelo pomposo produto futebol português. Os sinais enviados pelo novo FC Porto de Villas-Boas indiciam maior abertura e articulação entre os três grandes para ajudarem a tornar a liga mais competitiva e atrativa sob todos os pontos de vista (e daí gerando mais receitas), mas todos sabemos que isso levará tempo e os tradicionais orgulhos e arrogâncias são um empecilho ao crescimento – embora sirvam para umas conquistas domésticas e alimentar as discussões de café do género «O meu relatório e contas é melhor que o teu»."
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