"Talvez Martínez esteja a queimar demasiadas etapas em jogadores pouco habituados
Ao ver a Áustria de Ralf Rangnick e o Uruguai de Marcelo Bielsa fico sempre com a sensação de estar perante a tempestade perfeita. Tudo parece bater certo, fazer sentido e, se isso não é só por si garantia de sucesso, porque o futebol sempre foi de uma complexidade tão grande que nem a simplicidade que Cruijff defendia resolveu, é um requisito para que os caminhos se tornem menos tortuosos para qualquer equipa.
A Áustria foi para lá da mera influência do futebol vertical e progressista alemão, assumindo-o com a ideia-mãe na maioria das equipas, e acrescentou-lhe não só jogadores que do outro lado da fronteira tiveram, quando emigraram, continuidade em emblemas como Leipzig, Dortmund, Hoffenheim e até Feyenoord, nos Países Baixos, como um dos maiores ideólogos do jogo que já jogavam: Ralf Rangnick. O tal que Cristiano Ronaldo e os adeptos do Manchester United não conheciam antes, mas ficaram a julgar conhecer depois da passagem sem sucesso por Old Trafford. Numa seleção, com pouco tempo para treinar conceitos novos, a receita não poderia ter sido melhor. A Áustria apurou-se com todo o mérito, está nos oitavos de final pela segunda vez na história e pode aspirar a subir um pouco mais na hierarquia.
O mesmo se vê no Uruguai, cuja matriz sempre foi de luta, raça e foco absoluto, que encontrou em Marcelo Bielsa o técnico certo para afinar ideias. Para ir ainda mais longe, nos treinos, com aquele famoso murderball, e também nos jogos. A Celeste Olímpica impressiona e é um prazer vê-la em campo. El Loco é genial e nem precisa de ter ganho muito para que o reconheçamos.
Às vezes, pergunto-me se esta Alemanha é totalmente alemã. Ou a Inglaterra inglesa. Até mesmo se Portugal joga como os portugueses. Talvez não. O futebol caminhou para a aproximação a um determinado estilo e estou certo de que se Martínez estivesse a treinar espanhóis a fluidez dos ataques seria muito maior. Plantar uma forma de jogar exige tempo para vê-la crescer e florir, e a verdade é que, para as enormes percentagens de tempo de posse de bola a que aspiramos, o nosso solo não é tão fértil como outros.
O selecionador nacional não só não tem tempo como jogadores que saibam de olhos vendados o que têm de fazer no ataque posicional. Pior, provavelmente também não escolhe os certos. E esse será sempre um erro seu e não fruto do contexto luso.
Não há uma identidade defensiva no futebol português. Isso foi de um tempo em que jogávamos encolhidos e com um avançado, não necessariamente ponta de lança, à pesca. Felizmente, ganhámos metros, temos melhores jogadores, passámos a não ter tanto receio e a gostar de atacar. Roberto Martínez tem essa coragem, os jogadores estão finalmente a ganhá-la — percebe-se que nem todos respiram a mesma confiança — e o resto é trabalho. Não tenho dúvidas de que será o nosso ADN, mas partimos de muito atrás. Guardiola não passou por aqui, a nossa federação não tentou formar um determinado estereótipo de futebolista e a Liga é pobre. Não há milagres ou etapas que possam ser queimadas."
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