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quinta-feira, 2 de maio de 2024

Simão Sabrosa, o excêntrico


"O futebol moderno tem matado os especialistas em livres diretos. A obsessão por marcar cada vez mais perto da baliza ajuda a explicar o fenómeno

Foi uma espécie de regresso ao passado. Na jornada anterior o avançado Rodrigo Pinho, do Estrela da Amadora, marcou um golo frente ao Boavista, no Estádio do Bessa, que parece pertencer ao tempo das cassetes VHS: livre de longe, remate em força com o peito do pé. Tão simples quanto belo e... raro. O leitor que faça o exercício: tente recordar-se dos últimos três golos de livre direto da sua equipa marcados pelo mesmo jogador. Se acha que é difícil, não exaspere, o fenómeno é global: os golos de livre direto têm vindo a cair a pique nas cinco principais ligas europeias, onde paradoxalmente estão os melhores executantes, aqueles para quem o couro não tem segredos. Segundo a plataforma estatística Opta, entre as épocas 2014/2015 e 2021/2022 foram apontados menos 75 golos nas big 5 desta forma. Observada a informação em gráfico, percebe-se que a questão é transversal: é uma queda acentuada a várias cores. Mais: em 64 jogos no último Mundial, no Catar (2022), apenas dois golos nasceram de livre direto, onde estavam, portanto, os melhores jogadores do mundo. De Messi a Ronaldo, de Modric a Kroos, de Kane a Mbappé.
Vários motivos estarão por detrás deste fenómeno. A massificação da utilização dos dados ao serviço do futebol será um deles, segundo os quais as probabilidades de sucesso nos remates de longe são baixas, optando-se por jogadas de laboratório sempre que a bola esteja a mais de 30 metros; mas também as barreiras mais densas com a introdução do jogador-prancha, deitado de lado para permitir o salto dos colegas (cada vez mais altos).
Porém se pensarmos que no futebol corrido há cada vez menos golos em resultado de remates de meia distância (os números também o confirmam) facilmente chegamos à conclusão de que o jogo tem vindo a conhecer mudanças na dinâmica ofensiva —todas as equipas, de uma forma ou de outra, estão formatadas para tentar chegar ao golo num futebol cada vez mais associativo e, mais relevante ainda, tentá-lo a uma distância muito mais próxima da baliza, reduzindo ao mínimo o risco (a ousadia!) para o qual se inventaram tantos nomes: tiro, bilhete, bomba, petardo, míssil — termos que, à falta de uso e porque o wokismo um dia também irá estender os seus longos braços a gíria da bola, caminham para um processo de congelação.
Temos assim um futebol sem grandes craques do livre direto, do tiro libre, do free kick. Até o próprio Cristiano Ronaldo se tornou, com o passar dos anos, o oposto do que foi (e não é a idade que o explica), e nem mesmo Messi ficará para a história como um dos melhores executantes, comparado com jogadores de muito menor dimensão futebolística, mas que foram bem mais decisivos a fazer o esférico sobrevoar uma formação de homens alinhados.
Que se faça, pois, a homenagem a especialistas (sem ser necessário recuar a Eusébio, nem a Branco, Maradona, Celso ou Ronald Koeman) de um tempo que parece perdido sem que se entenda bem porquê. Juninho Pernambucano, Nedved, Ronaldinho Gaúcho, Beckham, o guarda-redes Rogério Ceni ou mesmo Simão Sabrosa foram mestres de uma arte que hoje parece estar atirada para a prateleira da excentricidade. Quando Ward Prowse, um razoável jogador do West Ham, é considerado o melhor batedor de livres de atualidade está tudo dito."

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