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quarta-feira, 3 de abril de 2024

Só há um Porto


"Pinto da Costa e Villas-Boas, com mais ou menos regionalismo, com mais ou menos hostilidade nas palavras, validam comportamentos como aqueles a que nos habituámos a assistir

Somos todos guiados por manipuladores racionais. De pouco importa se estamos dispostos a admitir que somos os fiéis recipientes e tradutores da propaganda que nos vai sendo entregue. Será assim ao longo das nossas vidas e será especialmente o caso durante uma campanha eleitoral, como aquela que neste momento opõe Pinto da Costa a André Villas-Boas.
De um lado, uma ideia de continuidade tornada combativa através da aversão ao aventureirismo dos oportunistas que agem segundo interesses ocultos e apostam no insucesso da organização à qual se candidatam. Do lado oposto, as ideias novas, saídas de um molde não demasiado distinto, por forma a garantir legitimidade para a sucessão no trono.
A primeira candidatura, do incumbente, fala em «defender o Futebol Clube do Porto», uma narrativa típica que estabelece a necessidade de proteção face aos ataques: dos adeptos portistas que pretendem o poder a qualquer custo, ou dos outros clubes, face aos quais o FC Porto sempre se constituiu numa lógica adversarial de grande hostilidade, articulada nos últimos anos no slogan «contra tudo e contra todos». A segunda candidatura opta pela tradição agregadora. Prefere comunicar união, ideais comuns, uma espécie de kumbaya regional. É aqui que a coisa se torna interessante. Não tendo interesse na vitória de um ou de outro candidato, ando há semanas a pensar no timing involuntário do slogan de André Villas-Boas: «Só há um Porto.» A realidade com que me vou deparando, semana após semana, a cada rodinha que cerca os árbitros para arrancar três pontos à força, obriga-me a falar do assunto.
Eu concordo com o slogan de André Villas-Boas, mas não pelas mesmas razões que levará um portista a votar nesta candidatura. Aliás, o slogan mostra-nos que os dois candidatos à presidência do FC Porto estão muito mais próximos do que afastados, por força da história. A tese é relativamente fácil de explicar. Sim, nos dias que correm só há de facto um Porto. É aquele que se cristalizou ao longo de décadas no espaço público por via da intimidação e da violência física ou verbal, e que nenhum dos candidatos rejeitou até hoje. Antes pelo contrário, cada um, à sua maneira, com mais ou menos regionalismo à mistura, com mais ou menos hostilidade nas palavras, valida comportamentos como aqueles a que nos habituámos a assistir. De Pinto da Costa não esperaria outra coisa, mas aqueles que nesta eleição representam a suposta mudança tinham aqui uma oportunidade. Ora, à hora em que escrevo este texto, está por descobrir uma reação de André Villas-Boas a condenar a cultura de ódio e permanente hostilidade que caracteriza os protagonistas do seu clube, exceto, note-se, quando essa mesma cultura o teve a ele como alvo. Os atos de que André Villas-Boas ou os seus apoiantes foram vítimas nos últimos meses, no Porto ou naquela lamentável assembleia geral, são absolutamente execráveis, do pior que já vi no futebol em Portugal. Mas o clube que foi berço para essa cultura é o mesmo a que André Villas-Boas se candidata hoje. Nas suas demais intervenções, perante múltiplos outros comportamentos nascidos da mesma semente, André Villas-Boas tem as mesmas palavras de sempre sobre erros de arbitragem que sonegaram pontos ao FC Porto, reconhecendo que não foi só isso, mas tirando muito ligeiramente o pé do acelerador da negação. O problema é dos outros e, pelo caminho, fica a ideia de que há uma violência má e uma violência socialmente aceitável.
É complicado fazer campanhas eleitorais. Há mais matemática envolvida na coisa do que parece a quem vê de fora. E a matemática é que manda. Olhe-se para os diferentes segmentos de eleitorado no FC Porto e será difícil chegar a outra conclusão: não existe margem suficiente na população eleitoral do clube para alguém ser outra coisa fundamentalmente distinta de Pinto da Costa. Nenhuma maioria de votantes estará disposta a comprar esse produto, até porque, em 42 anos, está por demonstrar que algum outro produto tenha garantido sucesso ao clube. Esta arena eleitoral convoca muito mais pontos de paridade do que pontos de diferenciação. Os portistas nunca conheceram outra forma de ganhar que não a de Pinto da Costa, com tudo o que teve de destrutivo para a credibilidade do futebol em Portugal. Quem se quiser diferenciar disso deve pensar muito bem e fazer as contas. No final de contas, como dizia o outro, evitará. Tem família.
Ainda assim, a campanha profissional montada por André Villas-Boas tem de mostrar um propósito nestas eleições e representar alguma espécie de diferença, daí passar tanto tempo a discutir a sustentabilidade financeira, a competência das primeiras linhas atuais do clube, e o que mais houver à mão de chão firme para estabelecer que André Villas-Boas representa uma nova geração de ideias, com fórmulas e métodos à prova de bala que darão mundo ao clube, e Pinto da Costa representa uma solução caduca sem grande urbanidade. Mas, em relação ao fundamental da cultura que vimos representada há poucos dias frente ao Estoril, nem uma palavra. No essencial, é preciso mudar, mas está tudo bem exatamente como está.
Eu percebo. Um candidato à presidência deste FC Porto sabe que não pode hostilizar os consócios que reconhecem validade à postura demonstrada semanalmente por treinadores, por dirigentes e pelos jogadores de cada vez que a equipa dá por si em desvantagem. Há muito que a propaganda convenceu os adeptos de que é assim que os jogos começam a ser ganhos. A matemática eleitoral mandará sempre: qualquer candidato tem de manter capital intacto junto de pessoas genuinamente convencidas de que os 23 pontos perdidos no campeonato não se devem à pobreza do futebol apresentado. Começa aí a validação de tudo o que vem depois e nada tem a ver com futebol. Depois admirem-se quando as pessoas acham que só existe este Porto e mais nenhum."

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