"Regresso das provas da UEFA leva-nos de novo à discussão sobre o que não se faz em Portugal face às mudanças anunciadas
JÁ todos percebemos que nem a fórmula do bosão de Higgs poderá servir para Portugal subir no ranking da UEFA e poder ter três equipas na Liga dos Campeões da próxima época, o ano em que entra em vigor o novo formato da prova, com o fim da fase de grupos como a conhecemos e muito mais dinheiro a distribuir pelos clubes participantes.
Podemos continuar a justificar a perda do sexto lugar para os Países Baixos pela «injustiça» de a Liga Conferência dar os mesmos pontos que a Liga Europa ou a Liga dos Campeões, mas esquecendo, por exemplo, que Portugal não está representado na terceira prova europeia porque as equipas nacionais não tiveram a competência para chegar lá.
O problema reside sempre no ditado popular casa arrombada, trancas à porta, quando muitas decisões são tomadas de forma reativa em sobreposição à implementação de modelos estruturados.
Ainda comparando com os Países Baixos, muito se fala de as grandes equipas portuguesas serem melhores que as maiores neerlandesas, mas pouco se diz sobre a qualidade geral do campeonato, quando esta deveria ser a chave da equação.
Taxas elevadas de ocupação dos estádios, futebol ofensivo, preocupação vincada sobre o bem comum sem nunca beliscar a identidade de cada emblema e menor desconfiança relativamente às instituições são quatro pilares que permitiram a valorização da marca e o crescimento da qualidade média da Eredivisie, permitindo às equipas que não os tradicionais Ajax ou PSV somarem pontos e atirarem Portugal para baixo.
É sempre útil recordar que em 2018 os principais clubes dos Países Baixos concordaram em ceder 5 por cento dos prémios da fase de grupos às equipas do campeonato que não participam nas provas da UEFA. Uma medida decidida por unanimidade, com vista a «lutar pelo contínuo desenvolvimento e melhoria da qualidade do futebol neerlandês». Não por acaso, cinco anos depois estão em condições de ter mais equipas a comer o grande bolo da nova Champions, enquanto por cá discute-se muito sobre quem fica com a maior fatia.
Mesmo o Benfica vive num colete de forças do qual dificilmente se libertará: arvora-se da sua condição de grandeza em Portugal, assenta a sua narrativa num passado internacional, mas está condicionado a um mercado que continua a ser nacional e cujo modelo de negócio é consumido até ao tutano. Basta analisar o último Relatório e Contas e lembrar o seguinte: as águias venderam um jogador por €121 milhões (Enzo Fernández), apresentaram receitas históricas de prémios e de bilheteira e mesmo assim só tiveram um lucro de €4,2 milhões. Se o Celtic não tivesse vendido Jota para o Al Ittihad, a SAD teria apresentado prejuízo.
Isto decorre de um elevado investimento no plantel, o que fez aumentar os custos com pessoal (ordenados altos do plantel), condição que tende a ser permanente durante um bom par de anos. Portanto, ou o Benfica faz em 2023/2024 mais uma Champions ao nível da época passada ou está condenado a fazer vendas superiores a €100 milhões no próximo verão, perdendo qualidade.
Referimo-nos ao Benfica porque é o campeão em título mas podia ser qualquer outro. Os clubes portugueses, mesmo os de topo, vivem numa gaiola dourada: são grandes cá dentro mas só podem discutir o tamanho das grades, nunca a amplitude do voo.
A criação de condições para atrair investimento externo e possibilitar um sobredimensionamento do campeonato português, como uma entidade única, não pedindo meças a uma Premier League mas tentando lutar pelo top 5 (um país de 10 milhões de habitantes pode ter uma vantagem competitiva se houver uma reformulação das competições visando maior concorrência, maior espetáculo e reduzir drasticamente o eterno ambiente de suspeição, abarcando disciplina e arbitragem) será a única forma de não perder o comboio europeu. Mas como se perde tanto tempo a discutir o tamanho da bitola, temo que não tardará o dia em que estarão todos juntos aos berros no apeadeiro e o TGV passará, sem parar, esvoaçante, perante o súbito silêncio cúmplice de quem ainda viaja em locomotivas movidas a diesel."
Fernando Urbano, in A Bola
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