"O Benfica conquistou mais três pontos depois da vitória, no Estádio da Luz, contra um bom Estoril Praia. Rafa, com um golo especial, e Gonçalo Ramos construíram o resultado. André Franco reduziu
Os lábios não têm o hábito de se curvarem. A espessa expressão derrete e não é festa. O corpo, aparentemente leve, vive carregado por algo, como se soubesse uma verdade terrível. Rafa, que corre como quem não ama futebol, escreve-lhe cartas de amor jogando, inventando, sendo quem é. Foi o que fez, aos 34’, quando pegou na bola antes do meio-campo. Correu, superou quem tinha de superar, principalmente as dúvidas e os desaforos, travou, mago, e levantou o estádio inteiro. Depois do jogo, saiu do relvado de cabeça baixa, escondida no capuz, ele todo escondido, como se não fosse nada com ele. Mas era: no seu jeito triste, Rafa foi Rafa e a Luz agradeceu-lhe.
As sensações de Amesterdão pareciam reluzir na carapaça dos homens de vermelho. Surgiram para este Benfica-Estoril com atrevimento, com as ideias mais claras, pelo menos com a convicção de ir para a frente e tentar marcar o mais rápido possível. Gonçalo Ramos, após descobrimento de Grimaldo, foi o primeiro a ameaçar a baliza dos visitantes, valeu Dani Figueira.
O Estoril ia jogando encolhido no seu 5-3-2, que só era assim sem bola, com a descida de João Gamboa. Francisco Geraldes, graduado no rival da Segunda Circular, ia-se mostrando sereno, a desfrutar daquele pedaço de céu que é ter a bola no pé. Por perto teria sempre André Franco, um miúdo que os holofotes não podem esquecer.
O Benfica, com Meite e Weigl no meio, pretendia ferir a baliza da equipa que veste à Brasil com Rafa Silva, Everton Cebolinha, Gonçalo Ramos e Roman Yaremchuk – Adel Taarabt e Darwin Núñez, o herói da Champions, estavam indisponíveis. Se no arranque do jogo se viram algumas triangulações e intenções, essa hierarquia autoimposta foi-se esfumando a partir dos 15’. Antes, Grimaldo tentou de livre direto, mas mais perigoso ainda foi o cabeceamento de Jordi Mboula ao poste da baliza de Vlachodimos.
E o Estoril, que parecia estar reduzido a sofrer atrás, a resistir, passou a gostar mais da bola, convenceu-se e ganhou dinâmica. A ousadia de Geraldes alastrou-se. E melhorou, com bola, nos duelos, em todo o campo. Saía sempre do guarda-redes, com várias soluções, o Benfica começou a não saber dar conta do recado. A coragem ia sendo premiada, não pelos golos, mas pelo jogo, pelo futebol.
Os ânimos na Luz, entusiasmados no arranque do jogo, esfriaram perante a superioridade alheia. Uma perda de bola de Meite, que oferece pouco ao jogo encarnado, provocou uma saída rápida do Estoril que culminou numa trivelada de Soria, o lateral direito. Vlachodimos voou para uma bela defesa. A seguir, cumprimentaram-se como quem gosta do que faz.
O Benfica era nesta altura, apesar de algumas tentativas para atacar a baliza de Figueira, uma equipa pouco sólida, com e sem bola. Mas os craques, em tempos de dúvidas e aguaceiros, aparecem sempre. Após canto curto mal batido pelo Estoril, Rafa pegou na bola, armou-se em Karel Poborsky, como recordariam os comentadores da BTV e inúmeros passageiros das redes sociais, e a 100 à hora apareceu na cara de Dani Figueira. Antes, lado a lado com o capitão Joãozinho, travou e voltou a acelerar, um gesto que distingue poucos. Depois, tocou subtilmente para as redes da baliza. Foi um momento de alto gabarito, 1-0. O avançado, que não foi convocado para o play-off da seleção, não marcava há 14 jogos e festejou assim o oitavo golo no campeonato (12 no total).
Sem surpresa, o Estoril, que alterou a forma de pressionar, quebrou um pouco e o Benfica, não sendo magnífico, encontrou-se e lembrou-se que tem de ser superior. Intervalo.
Com a cabeça fria, já menos sofrido, o Estoril voltou ao relvado jogando como jogava antes do 1-0. Isto é, a tentar sair de trás, atrair o rival para uma ratoeira e acelerar, normalmente por um corredor. Prova disso foi a grandíssima jogada, desenvolvida pela esquerda, que Geraldes e Arthur Gomes inventaram; Franco encostou com a canhota, mas Vertonghen tirou em cima da linha.
Mas o futebol não quer saber de lógicas. E a pistola de Ramos voltou a espirrar pólvora, recebendo de Gilberto, já na área, antecipando-se a dois defesas com um toque e desviando para a baliza, 2-0. O jogo é uma coisa, o resultado é outra.
Não houve muito mais histórias para contar neste jogo, tirando a super defesa de Dani Figueira a remate de Rafa, pois claro, que na sua linguagem triste vai fazendo o que nenhum futebolista consegue fazer. O ritmo baixou e baixaria muitíssimo, com poucas faltas, sem grandes disputas.
João Mário entrou, perto da metade do segundo tempo, para dar algum tino ao meio-campo, para ajudar a manter o tesouro que é a bola. O médio não é titular há 10 jogos e nem entrou em vários. Também André Almeida teria alguns minutos, aproveitados para fazer um cruzamento excelente, com a canhota, para a cabeça de Henrique Araújo. Por pouco, por centímetros, o menino não fez o 3-0.
Por outro lado, o Estoril de Bruno Pinheiro ia tentando manter a sua identidade e jogo, mas o 2-0 arrancou-lhe do peito a crença em algo melhor, havia menos fogo, menos faísca nos duelos. Geraldes, dos mais esclarecidos em campo, acompanhou essa descida à terra e acabou por ser substituído por Romário Baró, aos 76’. A luta, já se sabe, é outra, talvez seja o sossego ou a Europa. Só a bola de futebol, a tal que entrou aos 90'+3 saída da bota de André Franco, e as decisões que se tomam com ela dirá.
O Benfica de Nélson Veríssimo, que mentalmente não deverá cair graças à permanência na Liga dos Campeões, mantém a corrida comprometida ao segundo lugar. Está a seis pontos."
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