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sábado, 13 de fevereiro de 2021

O Grande Reset


"Conspiração ou não, exagero ou ulrarealismo, hiperbolização ou pragmatismo, as teorias covid ou pós covid têm-nos mantido entretetidos durante a era do grande confinamento. E se andam online, por certo já as viram aparecer quase à mesma velocidade com que desaparecem. De audios no Whatsapp a uma remodelação à escala global da economia, elas existem para todos os gostos. O problema mesmo… é a realidade. Podemos assim teorizar e até conspirar que o algodão do tempo nunca enganará. O que nos remete para as especificidades do discurso de um treinador. E claro que para dissertar sobre esse campo traremos à baila um treinador que não deixa ninguém indiferente. Jorge Jesus (pois está claro!) voltou em grande depois de um período em que a Covid-19 o assolou, não só a si, como também a grande parte da estrutura encarnada. E, como tal, a ligação entre o surto que afectou o futebol do SL Benfica, e a performance foi em grande parte o assunto principal das últimas comunicações do técnico.
É aqui que estabelecemos a ponte entre as teorias da conspiração, entre as teorias que não pretendem conspirar, entre as previsões e a possível realidade. Não só aquelas com que a megainformação dos dias de hoje nos enche a mente, mas também com aquelas que foram o plano comunicacional de Jesus no regresso pós-Covid, numa ponte que forma uma analogia com o Grande Reset que alguns garantem que vem mesmo aí – redefinindo a forma como hoje vivemos. Também para Jesus, agora que, segundo o próprio, o futebol do Benfica estará livre do Coronavírus por três meses, o seu Benfica iniciará um Grande Reset. E isso, nesta semana, notou-se de duas maneiras.
Primeiro, porque são as exibições e resultados que traçam e validam o caminho comunicacional, não pudemos deixar de reparar que as duas vitórias (frente a Famalicão, para a Liga, e ao Estoril para a Taça) puderam soltar Jesus para o caminho discursivo que ele mais gosta de utilizar: o da hipérbole. E entre a hipérbole da sua apresentação, até à hipérbole depois da boa vitória frente ao Estoril, uma coisa, apenas e só, se meteu pelo meio: o Coronavírus. Obviamente, todos sabemos que há mais a explicar, como sabemos também que o próprio Jorge Jesus tem noção disso. No entanto a escolha deste enquadramento no discurso tem explicações claras e, por ventura, imperativas. Isto porque, falando no treinador de um dos três grandes portugueses, teremos de colocar a pertinente questão: até que ponto é que se pode ser totalmente honesto?
O futebol, sabemos, é um meio onde o tempo escasseia. E na falta da única coisa que o pode comprar (os resultados), a comunicação surge como veículo essencial para o obter – nem que seja por empréstimo. E Jesus, apesar do tentarem rotular como pouco hábil nesses terrenos, sabe muito bem em que clube está e a que massa associativa e adepta tem de comprar tempo. Recordamos até que os últimos dois treinadores do SL Benfica não resistiram não só aos resultados, mas também à desconfiança e descrédito que se abateu pelo Tribunal da Luz (algo que foi imensamente discutido aqui na altura). Jorge Jesus sabe tudo isso muito bem, como sabe que o tempo não escasseia somente para os treinadores. Escasseia também (cada vez mais) para uma direcção que se havia tornado quase inquestionável durante a 1.ª vinda de Jesus. .
Ora, a 2.ª vinda seria, na mente de todos os que a tornaram possível, algo parecido mas maior que a 1.ª. Apontou-se e berrou-se mais alto, levantando-se expectativas às quais a equipa, e os jogadores, não conseguiram corresponder no imediato. O que nos remete para o problema que Rui Vitória e Bruno Lage foram enfrentando (e que acabou por ceifá-los) e ao qual Jorge Jesus não foi imune (Expectativas vs Qualidade e Realidade). Algo que na altura parecia apenas um problema técnico e táctico para muitos, era afinal um problema de qualidade geral no plantel, para o qual não chegaram 100 milhões para resolver.
Mas se há algo que quem tem Jorge Jesus compra, esse é inegavelmente a qualidade de jogo. Talvez, inebriado pelas recentes conquistas, Jorge Jesus tivesse pensado que estaria imune àquilo que tombou Lage e Vitória (repetimos, o enfraquecimento gradual do plantel). Hoje, sabemos, não estava. E a dificuldade para tornar a equipa competitiva durou imensamente mais do que aquilo que todos esperavam. Mas, sublinho de novo, se há uma certeza que se pode ter com Jesus é que o futebol de qualidade vai aparecer. A dúvida é se o conseguirá fazer com a espinha-dorsal que já ceifou dois treinadores, à qual se juntam contratações que andaram, até aqui, longe de serem tidas como excelentes. Mais que ninguém, Jorge Jesus tem tudo isso em conta. E mais do que ninguém Jorge Jesus sabe como comprar tempo para que a qualidade do seu trabalho apareça. E tudo isto no verão se pareceria conjugar para dar resultado se não fossem todos estes factos e ainda um outro do qual muitos (a maioria, diria) se esqueceu também.
Em nada se belisca (como acho que já se percebeu) a qualidade de Jorge Jesus como treinador. Ele que foi, inegavelmente, o impulsionador da subida de qualidade táctica da I Liga, do detalhe nas organizações defensivas que, curiosamente, hoje tem de enfrentar. Quer isto dizer que o detalhe de que a I Liga é hoje muito mais complicada, e que o seu nível em relação aos restantes treinadores poderia não ser assim tão mais alto, todo esse (enorme) detalhe se lhe escapou também.
O que nos remete para a questão inicial: até que ponto um treinador pode ser totalmente honesto? Até que ponto é que o discurso de apresentação de Jorge Jesus poderia ser outro e ter tudo isto em conta? Até que ponto é que o Grande Reset que anunciou (depois daquela que para mim foi a melhor exibição da época) poderia ser outro? O futebol é um meio onde a honestidade, o reconhecimento de um ou outro desaire, o realismo nas apreciações, o reconhecimento das responsabilidades, é considerado fraqueza. Para dar um exemplo, há até treinadores que não falam em desvantagens na preparação de jogos, porque isso pode ser sinal de vulnerabilidade na mensagem. É um meio cruel onde outra coisa que não a demonstração de total força e assertividade é vista como um enorme buraco na armadura. Por isso, a Covid-19 (que terá feito a sua parte) tem bom arcaboiço para levar com a 1.ª volta. Isto porque nenhum treinador o tem tido para levar com o Tribunal que hoje pede a cabeça dos dirigentes, treinadores e jogadores a toda a hora, a todo o deslize. A partir de agora, Jesus comprou tempo e iniciou o Grande Reset, com a curiosidade de a equipa ter estado na Amoreira a um nível muito mais próximo do que se espera (como revela o excelente post anterior do também excelente Robert Pires). O que isso trará, não sabemos. Mas estamos curiosos – principalmente agora que o Benfica liga melhor com os seus avançados, que reage melhor à perda e que tem a linha defensiva com muito mais autoridade em todos os momentos. E serão fogachos ou é já o esqueleto da visão que JJ tem? É que isso, e sobretudo a eficácia (que o Sporting tem a rodos e que falta a Porto e Benfica), serão nucleares para o veredicto final não só do tão afamada 2.ª vinda, como do próprio campeonato."

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