"Há semanas que se sentia que aquele tsunami viral chegaria à Península Ibérica. Invisível, mas devastador. E assim foi. Primeiro na vizinha Espanha, com a força que se conhece. E depois em Portugal, com o impacto que ainda se desconhece.
Olhando para o mapa do mundo, também era uma questão de tempo até que a pandemia estendesse os seus tentáculos a todos os pontos do globo. Inevitável nesta era da globalização. E assim está a acontecer.
No meio de tanta notícia falsa, de tanto ruído, de tanta especulação, algo foi ficando cada vez mais claro. As consequências para a saúde humana. Gradualmente, mas a uma velocidade que nos esmaga dia após dia, vamo-nos dando conta de que é a vida humana que está em jogo. Se, no início, esta assunção parecia estar confinada à longínqua China, agora pode estar na porta ao lado ou mesmo dentro da nossa casa, no nosso corpo. Jovens ou não, saudáveis ou não, parece não haver critério, apenas probabilidades. E os relatos que nos vão entrando casa dentro revelam uma realidade que a todos afecta. Inclusivamente a atletas Olímpicos, supostamente das pessoas mais saudáveis do planeta.
De todos os organismos, instituições, empresas, celebridades, desportistas, cidadãos anónimos, países mesmo, reacções unânimes: a pandemia tem de ser controlada e está para durar. De todos, menos de um. O Comité Olímpico Internacional - COI. Que dia após dia, parecia manter uma posição intransigente relativamente à exequibilidade de organizar o maior evento desportivo à escala global no meio de todo este caos, igualmente global. Que informações possuiria para ter aquela segurança? Que cenários estariam ao seu dispor?
É certo que o COI sempre baseou esta convicção no parecer de um grupo de trabalho constituído para o efeito, grupo este que tinha na sua composição a Organização Mundial de Saúde. E o próprio Presidente do COI, atleta Olímpico, Thomas Bach, afirmava perentoriamente que a saúde dos atletas estaria sempre em primeiro lugar na hora da decisão. No entanto, o dia a dia, quase cada hora que passava, pareciam contradizer esta desconcertante posição.
Mas foi quando o COI anunciou que iria tomar uma posição sobre o assunto no espaço de um mês que outro tsunami ganhou forma.
Construir uma campanha Olímpica requer uma enorme dose de controlo emocional. Lidar com a pressão de tentar ganhar um lugar ao sol entre os melhores atletas do mundo é tarefa que exige muito de quem se lança em semelhante empreitada. E porque andam sempre no limite, é natural que qualquer evento que os sobrecarregue emocionalmente possa ter efeitos adversos, até para a própria saúde mental dos próprios. E de quem lida directamente com eles.
A situação a que foram sujeitos nas últimas semanas atingiu proporções incomportáveis, cuja gota de água foi precisamente aquele anúncio do COI. A partir desse momento, um pouco por todo o mundo, os atletas, os Comités Olímpicos, as Federações Internacionais fizeram ouvir a sua voz. E a mensagem foi muito clara. Os Jogos Olímpicos - JO - até podiam realizar-se nas datas previstas. Mas os actores principais, os atletas, não estariam lá. E o período de espera de um mês passou para menos de 72 horas.
Não se pense que esta foi uma derrota do COI. Dar um passo atrás foi antes um sinal de humildade perante a dimensão do problema. Mas foi também uma vitória do Movimento
Olímpico como um todo. Pela primeira vez na história dos JO contemporâneos, os atletas uniram-se globalmente em torno de um ideal. E qual é esse ideal? A vida humana!
Os JO Tóquio 2020, agora em 2021, ficarão para sempre marcados por esta pandemia. Mas estes em particular, além de celebrarem os Ideais Olímpicos, celebrarão também um momento da história da humanidade, quando esta, para enfrentar uma ameaça global, deu as mãos... depois de as lavar bem!"
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