"Ídolo de Messi por causa do telefonema de Passarella --- Jogador do Benfica por Rui Costa lhe aparecer à porta de casa
1. Nasceu a 3 de Novembro de 1979, Maradona encantava-o - e sonhava ser médico. Com ele a caminho dos quatro anos, lesão grave impediu o pai de continuar a jogar futebol - e foi o pai que, certa vez, o desafiou à aventura de um teste num clube a mais de 600 quilómetros de casa.
2. Não foi apenas o espírito de aventura que o arrastou para o teste no River, foi sobretudo a curiosidade de saber se podia ser mesmo o que se dizia que podia: «o novo Maradona». De Rio Quatro para Buenos Aires fez a viagem num ronceiro autocarro, não precisou de muito jogo para mostrar o génio - de ponto ouviu que sim, que o queriam, que podia ficar. Mas ele não quis ficar no Monumental Nunez.
3. Tinha 14 anos e fosse qual fosse a resposta que lhe dessem no River, já o decidira: voltaria para a sua cidade no interior de Córdoba - e ao Estudiantes de Rio Quarto. Talvez não contasse que sucedesse o que sucedeu: Pekerman chamou-o à selecção de sub-17 - e para lá foi, outra vez, em autocarro de carreira.
4. Daniel Passarella não mais se esqueceu da conversa que tivera com o treinador dos iniciados, três antes: «Aquele chico de toque de bola formidável, era o único que podia ser génio, mas é incrível não quis ficar» - correu a pedir-lhe número do telefone e ligou para Rio Quarto...
5. Antes de se soltar palavra do outro lado da linha, Daniel Passarella atalhou: «Olá! É o pai dum muchacho chamado Pablo?» - e ouvindo que sim, apresentou-se: «Pois, eu sou Passarella, o treinador do River». Apercebeu-se da gargalhada a que se colou a frase despachada: «Ai sim?! Pois eu sou o Papa João Paulo II e não tenho tempo para brincadeiras» - e Passarella revelou-o: «Felizmente, o senhor não desligou o telefone»...
6. Além de o pai não desligar, percebeu que era mesmo verdade, era mesmo o Passarella - a pedir-lhe que convencesse o filho a ir para o River, prometendo-lhe todas as condições para estudar medicina, pagar-lhe o curso até. Puseram-no a viver numa pensão, adormecia todas as noites enxugando as lágrimas na almofada - por achar que «Buenos Aires era um tortura». Não, não foi para os juniores que foi, Daniel Passarella puxou-o, sem pestanejo, para o plantel principal.
7. O primeiro treino do Monumental marcou-lhe o destino: recebeu a bola, correu com ela dentro do pé para o Altaminaro (de quem se dizia que era o monstro na defesa do River) - através dum «drible impossível» deixou-o de gatas, no chão. Com o resto da equipa à gargalhada, adeptos nas bancadas abriram bocas de espanto.
8. Achando que o seu futebol «era puro divertimento», um jornal fez sessão fotográfica com ele disfarçado de palhaço (palhaço porque divertia) - e passaram a tratá-lo por El Payaso. No River estava outro dos seus ídolos: o Francescoli - mas por timidez nunca foi capaz de fazer o que todos os dias lhe apetecia: pedir-lhe um autófrago.
9. Ainda sub-17, Pekermann pô-lo a jogar nos sub-20. Da Malásia, a Argentina saiu campeã do mundo - e ele o Melhor jogador do torneio. Em Janeiro de 2000, o Valência contratou-o por 25 milhões de euros, deixara pouco antes, o curso de medicina - e ao partir para Espanha levava vitória na Supercopa Libertadores de 1997 e três títulos de campeão argentino.
10. Maradona dissera dele: «É o único jogador por quem ainda vale a pena pagar bilhete para o ver jogar». Além de dois campeonatos de Espanha, o seu Valência venceu a Taça UEFA - e a Supertaça europeia ganhou-a ao FC Porto. Por esta altura, lesões em rodopio estavam a cortar o brilho à sua chama, razão porque, contra os portistas, só jogou cinco minutos.
11. Messi já o afinançara: «Meu ídolo? É El Payaso!» (e não deixou de o ser). O destino continuou a atacá-lo cruel: por entre lesões sofreu duma meningite - em meados de 2006, do Valência foi para o Saragoça. Estava para mudar-se para o Newcastle, quando sucedeu o que ele contou: «Já tinha pé e meio em Inglaterra, mas quando homem como Rui Costa apanha um avião, bate, de surpresa à porta da tua casa e diz: 'Vou retirar-me, quero que uses, no Benfica, a minha camisola 10' - é impossível deixar passar um gesto assim». O resto? É o que se sabe, num encanto muito para lá do ganho de um campeonato ou quatro Taças da Liga..."
António Simões, in A Bola
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