"A facilidade com que cada pessoa fala hoje de qualquer tema é qualquer coisa de inacreditável. Todos sabem de tudo e de nada, e os que sabem de nada julgam que sabem de tudo! É um retorno sem retorno possível.
A tecnologia veio criar uma nova forma de as pessoas se relacionarem, qual seja, injuriarem-se, ofenderem-se, violentarem-se por dá cá um palha.
Ao mesmo tempo, veio criar novas formas de emprego e de ganhar dinheiro.
Antigamente a produção de riqueza era agrícola, industrial e posteriormente passou a albergar o sector dos serviços, a que se chamou de sector terciário, um sector já com características imateriais. Mas eis que senão, é criado um novo sector de riqueza, ele próprio assente somente em critérios invisíveis, etéreos e sem existência material - é o caso das empresas hoje mais ricas, como o Facebook, a Google, o Instagram, a Amazon e muitas e muitas outras empresas do género.
A criação de riqueza destas empresas nada tem que ver com a criação de riqueza tradicional, pois não é uma realidade palpável e está sustentada em bytes e circular por fibra óptica. É esta a realidade actual!
É evidente que toda a educação baseada nas primitivas formas de produção de riqueza ficou de repente obsoleta, se bem que não se consegue perceber como se possa só viver com tecnologia, mas isso é outra questão. Como tudo o que é alterado repentinamente por efeito da tecnologia, não tem um acompanhamento mutacional igual em termos de ser humano e muito menos de cultura. Daí que os conceitos de corrupção utilizados pelos antigos nada tenham que ver com os conceitos de corrupção na perspectiva legal.
O art.º 373 do Código Penal define o que entendem sobre corrupção passiva.
Artigo 373.º
Corrupção passiva
1 - O funcionário que por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, solicitar ou aceitar, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial ou não patrimonial, ou a sua promessa, para a prática de um qualquer acto ou omissão contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto ou omissão não forem contrários aos deveres do cargo e a vantagem não lhe for devida, o agente é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
Podemos resumir nos seguintes elementos, sempre sujeitos ao arbítrio de cada cabeça:
- Relativamente ao círculo de autores exige que o agente seja funcionário, no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal;
- No que concerne à acção que ela se traduza num acto de solicitação ou de aceitação;
- Quando ao objecto de acção, requer que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patromonial ou da sua promessa indevida.
Deixemos de parte a análise do elemento subjectivo que basicamente poderemos chamar da vontade e consciência.
E vejamos o crime de corrupção activa:
Artigo 374.º
Corrupção activa
1 - Quem, por si ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a funcionário, ou a terceiro por indicação ou com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim indicado no n.º 1 do artigo 373.º, com pena de prisão de um a cinco anos.
2 - Se o fim for o indicado no n.º 2 do artigo 373.º, o agente é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias.
3 - A tentativa é punível.
- Relativamente ao círculo de autores, podem ser todas as pessoas existentes no planeta Terra, expecto os que a lei considere como funcionários no sentido definido pelo artigo 386.º do Código Penal, porque estes estão no lado passivo;
- No que concerne à acção, impõe que ela se traduza, num acto de dar ou prometer dar;
- Quanto ao objecto da acção, requer que se trate de uma vantagem patrimonial ou não patrimonial;
O que é que isto tudo quer dizer?
Que hoje em dia para existir crime de corrupção não é sequer necessário que exista corrompido e corruptor, bastando a solicitação, aceitação, a promessa de dar, sem que exista mesmo entrega da qualquer coisa.
Vamos a um exemplo, se uma determinada pessoa disser a um funcionário das finanças para o receber primeiro que todos os outros e depois tomamos um cafezinho - isto é crime! E neste caso apenas temos como praticando o crime aquele que prometeu o cafezinho. Não é preciso mais nada.
Na verdade, basta a mera promessa de vantagem. Isto quer dizer que, no caso que relatamos, tenha a pessoa sido atendida primeiro que os outros e tenha sido pago o café, não chega sequer a interessar para nada! Basta a promessa de vantagem para a prática de algo contrário ao dever do cargo.
A não execução do crime apenas funciona como atenuante da pena.
É por isso que também é crime de corrupção activa o condutor de um veículo automóvel que, na sequência da realização de teste de alcoolemia, diz ao militar da GNR: «Você quer quinhentos contos ou mil contos para mandar embora? Eu telefono e o dinheiro está cá em cinco minutos».
E não esquecer que, nos termos do artigo citado, a tentativa de corrupção activa ainda é punida!
Esta concepção é diametralmente oposta ao conceito antigo de corrupção, em que a maioria das pessoas foi ensinada que a corrupção implicava uma solicitação efectiva e ainda uma entrega efectiva. E que era activa do lado de quem pedia e passiva do lado de quem aceitava. Já se viu que não é nada disto!
O funcionário comete crime de corrupção passiva, quer solicite, quer aceite, portanto, quer esteja no lado passivo, quer esteja no lado activo da relação.
Nada disto é pois hoje em dia como era. Nada!
Até para a semana."
Pragal Colaço, in O Benfica
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