"Quem leu o Eça em Os Maias conhece-o bem: tentando parecer o que não era mandou fazer, exibicionista grotesco, cartões de visita
tendo ao ângulo, numa dobra simulada, o seu retratozinho em fotografia, um capacete com plumas por cima do nome - Dâmaso Cândido de Salcede, por baixo as suas honras: Comendador de Cristo, ao fundo a sua adresse - Rua de São Domingos, à Lapa, mas esta indicação estava riscada, e ao lado, a tinta azul, outra mais apartosa - Grand Hôtel, Boullevard des Capucines, Chambre n.103.
Filho dum agiota, escondera o Silva do nome, inventando outro mais pomposo - o de Salcede. A abarrotar de prosápia deliciava-se a exibir o reposteiro com o brasão de Salcede.
onde havia um leão, uma torre, um braço armado, e por baixo, a letra de ouro, a sua formidável divisa: Sou forte!
Enfatuado, achava Lisboa um chinfrim, arrastava-se em adoração a Paris
- Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro!
A sua outra admiração extática era Carlos da Maia. Transformou-o naquilo que queria que fosse o seu espelho.
o tipo supremo do chic, do seu querido chic
Imitava-o dos trajes aos trajeitos, sonhando-lhe conquistas e glórias, sem noção dos ridículos que arrastava. Esse lado Dâmaso viu-o num vídeo que apareceu antes de um jogo do Sporting - e deu-me apenas vontade de rir. Há, porém, outro mais perverso, aquele que levou Ega ao desabafo:
- O Dâmaso, coitado, coitadinho, coitadíssimo. Mas imensamente ditoso, até tem engordado com a perfídia.
E é esse lado: videirinho e traiçoeiro, falsário e venenoso, que vai criando o pior do Dâmaso nos vários Dâmasos que o futebol vai tendo - que me perturba.
(E não, não sei se Fernando Gomes conseguirá acabar com eles apenas com cartas abertas cheias de boas intenções e bons princípios. Mas, pelo menos, uma coisa já fez: deixou de estar calado...)"
António Simões, in A Bola
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