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terça-feira, 28 de julho de 2015

O homem que era sexta-feira

"Josef Masopust foi a figura maior da selecção da Checoslováquia vice-campeã do Mundo em 1962 e do grande Dukla de Praga que defrontou o Benfica no ano seguinte. Era confesso admirador de Eusébio e «roubou-lhe» a primeira Bola de Ouro.

Pelo meio das curvas da vida, a recta infinita da morte. Desta vez o escolhido foi Josef Masopust. Escolhido ou colhido, tanto faz, porque a morte tem hora marcada como o touro na arena.
De repente, enquanto escrevia, lembrei-me do livro de G.K. Chesterton, «O Homem que era Quinta-Feira», obra prima do humor. E isto porque Masopust também é humor em checo: tempo de Carnaval iniciado na sexta-feira de cinzas...
Josef Masopust nasceu em Most, no Boémia do Norte, antiga Checoslováquia, em 1931.
No dia 17 de Junho de 1962 estava em Santiago do Chile disputando a final do Mundial frente ao Brasil. Não sabia ele que viria a morrer em Junho, mês da sua alegria. Aos 15 minutos faz 1-0 para surpresa universal. Checoslováquia e Brasil já se haviam defrontado na fase de grupos com um empate a zero. Depois, os brasileiros, campeões mundiais, deram a volta ao resultado por Amarildo, Zito e Vavá. Zito também morreu neste mês de Junho. Amarildo continua vivo.
A Checoslováquia tinha uma equipa brilhante (no Brasil preferem escrever Tchecoslováquia): Schrojf; Tichy; Novak; Pluskal e Popluhár; Masopust e Pospichal; Scherer, Kadraba, Kvasnak e Jelinek. Nomes estranhos de um tempo distante.
Masopust era forte, com uma técnica impressionante. Tanto jogava a médio-esquerdo como a médio-centro. Domínio exímio da bola, drible fácil e passe perfeito. Svatopluk Pluskal era o seu parceiro no Dukla de Praga (morreu em 2005). Jan Popluhár era estrela do Slovan de Bratislava (morreu em 2011). Tomás Pospichal foi figura do Banik Ostrava e do Slávia de Praga (morreu em 2003). Viliam Shrojf foi o enorme «keeper» do Slovan Brastilava e do Lokomotiv Kosice, antecessor do gigante Viktor (morreu em 2007).
Já quase nada resta da equipa vice-campeã do Mundo que calharia em sorteio defrontar Portugal no acesso ao Mundial de 1966 em Inglaterra.
Josef Masopust já era um dos eleitos, mas saiu do Chile com um prestígio formidável.
Jornalistas de 19 países europeus, correspondentes do «France Football», provavelmente a melhor publicação sobre futebol de sempre, formaram o colégio eleitoral que o elegeu como melhor jogador da Europa do ano de 1962. Cada um deles votava em cinco jogadores, atribuindo-se-lhes uma pontuação decrescente de 5 até 1. O 2.º classificado foi Eusébio.
CLASSIFICAÇÃO (pontos)
1.º Josef Masopust (Dukla de Praga).....65
2.º Eusébio (Benfica)......................53
3.º Schnellinger (FC Koln).................33
4.º Sekularac (Estrela Vermelha).........26
5.º Jurion (Anderlecht)....................15
6.º Rivera (Milan)..........................14
7.º Jimmy Greaves (Tottenham).........11
8.º J. Charles (Roma)......................10
9.º Galic (Partizan).........................10
10.º Gorocs (Ujpest)........................6
Águas ficaria com os mesmos quatro pontos de Kopa (Stade de Reims), Denis Law (Manchester United) e Sivori (Juvnetus), o vencedor da edição anterior.
Eusébio estava feliz. Logo no seu primeiro ano de Benfica era considerado um dos melhores do Continente. E dizia: «Talvez um destes dias possa pregar uma partida a Masopust».
Não foi preciso esperar muito.
Elogios atrás de elogios
No dia 6 de Março de 1963, Josef Masopust e Eusébio da Silva Ferreira encontraram-se frente a frente no Estádio da Luz sob o testemunho de 60 mil espectadores.
Eusébio: «Fiquei positivamente encantado com a equipa do Dukla. Extraordinária! E Masopust foi o melhor dos jogadores checos».
Masopust: «Eusébio! Que grande jogador! Um elemento como ele tem de ser rigorosa e duramente marcado». Troca de galhardetes no final. A partida pregara-a o Benfica: vitória por 2-1. E Mário Coluna dois golos.
Todos foram unânimes em elogiar a técnica e a arte dos checoslovacos. «Bola rasteira, permanente desmarcações, envolvendo os 'encarnados' numa teia pegajosa da qual era difícil ganhar a liberdade», escrevia Fernando Soromenho. Pecava no entanto por falta de eficácia. A eficácia que havia nos remates de Eusébio e Coluna a obrigar Kouba a desdobrar-se em defesas.
A viagem a Praga prevê-se terrível. E foi mesmo. Fernando Riera aplicou ao seu opositor um sistema rígido de marcações que deixou Kadek, Masopust e Brumovski longe das decisões do jogo e os avançados Jelinek e Kucera entregues a si próprios. O empate sem golos atirava o Benfica para as meias-finais e a caminho de mais uma final da Taça dos Campeões Europeus.
No «LÉquipe», Max Urbini escrevia: «Sacré Benfica!... Decididamente nada o faz dobrar quando se trata da Taça da Europa. Nem o frio, nem a neve, nem o futebol checo (na moda, após o Campeonato do Mundo do Chile), nem o eleito melhor jogador da Europa, que ontem recebeu a sua «Bola de Ouro», nem os vibrantes gritos de 'Dukla tp Doho!' - 'Em frente Dukla!!' - num estádio superlotado. Sacré Benfica!... A sua moral é de aço! Tinha necessidade de um empate para ter lugar na meia-final. Obteve-o e mereceu-o bem perante uma multidão que esperou a vitória dos seus até ao último segundo. E caía a noite quando a descida da colina de Strahov se fez sem alegria e até de cabeça baixa... E Eusébio, o grande Eusébio, confirmou o nítido retorno à grande forma. Trouxe a toda a equipa o peso da sua enorme classe, os seus lançamentos, os seus 'raids', os seus remates fizeram tremer de medo os 40.000 adeptos do Dukla Praga jamais esquecerá Eusébio! Sacré Benfica! É uma equipa de Taça dos Campeões!».
Seis meses mais tarde, Eusébio e Masopust ficam para sempre ligados à história da FIFA. Jogam ambos na primeira Selecção da FIFA que se reuniu em Londres, no dia 23 de Outubro de 1963 para comemorar o centenário da Federação Inglesa, disputando um jogo contra a selecção de Inglaterra no Estádio de Wembley. As equipas alinharam:
INGLATERRA - Banks; Armfield, Wilson, Milne e Norman; Bobby Moore, Paine e Jimmy Greaves; Smith, Eastham e Bobby Charlton.
SELECÇÃO DA FIFA - Yashin (URSS), depois Soskic (Jugoslávia); Djalma Santos (Brasil), depois Eizaguirre (Chile), Schnellinger (Alem. Ocid.), Pluskal e Popluhár (Checosl.); Masopust (Checosl.), depois Baxter (Escócia), Kopa (França), depois Seeler (Alem. Ocid), e Dennis Law (Escócia); Di Stéfano (Arg/Esp), Eusébio (Portugal), depois Puskas (Hung.), e Gento (Esp.). Estiveram presentes 100 mil espectadores. O seleccionador da FIFA foi Fernando Riera (Chile), mais tarde treinador do Benfica, e a Inglaterra venceu por 2-1. 1-0 por Payne; 1-1 por Dennis Law; 2-1 por Jimmy Greaves.
Antes do famoso jogo de Bratislava para a fase de apuramento do Mundial inglês, Eusébio e Masopust voltaram a encontrar-se. Em Belgrado, no dia 23 de Setembro de 1964. Estão outra vez do mesmo lado; vestem ambos a camisola da Selecção da UEFA.
O jogo serve para angariar fundos para as vitimas do terramoto de Skopje. O árbitro é o suíço Dienst e as equipas alinharam:
JUGOSLÁVIA - Soskic, depois Skoric; Belin, Jusufin, Melic e Vasevic; Cop, Samarcsic, depois Cebinac, e Zambata; Galic, Kostic e Skoblar.
SELECÇÃO DA UEFA - Yashin; Lala, Pluskal, Mészóly e Schnellinger; Varonin, Masopust e José Augusto, Seeler, Eusébio e Simões, depois Sandor. Golos para todos os gostos: 0-1, Seelr, 0-2, Eusébio, de «penalty»; 1-2, Kostic; 1-3, Eusébio; 1-4, Eusébio; 1-5 Eusébio; 2-5, Galic; 2-6, Seeler; 2-7, José Augusto.
Josef Masopust, o homem que «roubara» a Bola de Ouro a Eusébio continuava fascinado: «Quem mais brilhou foi Eusébio. E será sempre o que mais há-de brilhar em qualquer desafio que participe. É um 'caso' do futebol actual!».
Já se passaram mais de 50 anos.
Masopust e Eusébio: a morte marcou-lhe um reencontro... no mês de Junho."

Afonso de Melo, in O Benfica

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