"A América foi sempre um dos destinos mágicos do Benfica nas suas viagens em redor do planeta. Colômbia, Paraguai, Brasil, Argentina, Estados Unidos... Não houve céu por onde a águia não voasse.
Vamos lá a mais uma viagem no tempo. E na história do Benfica e das suas viagens pelo planeta. Lá está: «Se Mais Mundo Houvera...» Camões tinha razão.
Estava previsto que o Benfica visitasse a Argentina em Agosto de 1967, para participar no Torneio Internacional de Buenos Aires, mas a viagem ficou adiada um ano. O que não impediu os encarnados de seguirem outra vez para a América do Sul, demandando à Colômbia, segundo o seu dirigente, engenheiro Cavaleiro Madeira, com grandes benefícios financeiros para o clube. O voo é longo, faz escala em Caracas e Maracaíbo. No dia 12 de Agosto, o Benfica aterra em Barranquilla, no norte da Colômbia, junto ao Mar das Caraíbas, um dos portos mais importantes do continente americano, mais uma cidade nova a juntar a tantas que já conhece. «Bienvenidos Rey Eusébio y su corte», pode ler-se num pano desfraldado frente ao Hotel Majestic, onde a equipa se instala.
Mas o tempo não é muito. O Benfica defronta o Deportivo Junior, vence por 2-1, e segue de imediato para o aeroporto. Viaja em direcção a Bogotá onde faz a primeira escala, e depois um «stop over» em Lima, no Peru, antes de partir para Assunção, no Paraguai. Nossa Senhora Santa Maria de Assunção, na margem esquerda do Rio Paraguai. O Benfica desembarca, joga, derrota o Guarani (4-0) frente a mais de 30.000 espectadores, o segundo mais antigo clube do Paraguai, depois do Olmipia, com as suas camisolas de riscas pretas e amarelas inspiradas nessoutro velho conhecido do Benfica, o Peñarol de Montevideo, e retorna à Colômbia, repetindo escalas, para se dirigir, desta vez, a Guayaquil, no Equador, para jogar com o Barcelona Sporting Club, ou Barcelona de Guayaquil, fundado em 1925 por emigrantes catalães, como está bem de ver. 20.000 pessoas enchem o Monumental Pichincha para ver Eusébio. E vêem. Com o resultado em 2-2, Eusébio faz um golo extraordinário de mais de 40 metros que leva os equatorianos ao delírio. Será a sua recordação.
Sempre, sempre em viagem...
De Guayaquil a São Francisco, paragem seguinte, a comitiva benfiquista leva 21 horas ininterruptas. Os jogadores estão cansados, mas não desiludem os muitos portugueses da região, empatando (1-1) com o Boca Juniors. Em Los Angeles repete-se o resultado (1-1) e é tempo de regressar a casa, mesmo em cima da data de jogar a final da Taça de Honra com o Sporting. E partir, pouco depois, para Belfast, e defrontar o Glentoran para a primeira eliminatória da Taça dos Campeões Europeus.
O Benfica voa. Poder-se-ia dizer que voa como o Tempo. Não é por acaso que o seu símbolo é uma águia e que a ela cabia percorrer os céus do Mundo.
Nessa época de 1967-68, o Benfica atingirá a sua quinta final da Taça dos Campeões. Perderá em Wembley, para o Manchester United após prolongamento (1-4). Mas entre as eliminatórias com o Saint-Etiènne e com o Vasas de Budapeste, arranja tempo para dar uma saltada a São Paulo e para um particular com o São Paulo (2-3). A América do Sul estava na massa do sangue dos encarnados. No dia 7 de Agosto de 1968 está em Belém do Pará, na Amazónia, provando que não há destino que fique longe demais e visitando assim uma das cidades brasileiras com maior património cultural português do tempo da colónia. Faz um jogo com o Remo, empatando 1-1, e segue finalmente para Buenos Aires, correspondendo ao convite feito no ano anterior. É um torneio de grande fôlego. Um pentagonal que conta com as duas melhores equipas argentinas, River Plate e Boca Juniors, com o Santos de Pelé e com o Nacional de Montevideu. Mas o Benfica não está no seu melhor, Eusébio acaba de ser, mais uma vez, operado ao menisco e encontra-se, positivamente, preso por arames. Durante o torneio vão rebentar discussões, com os organizadores que não querem cumprir com os pagamentos combinados por causa da inferioridade visível de Eusébio que joga com um pano amarrado ao joelho e sacrifica-se até ao suportável da dor para não desiludir os que nele acreditam.
O torneio é um verdadeiro campeonato intercontinental com um pormenor - todos são do mesmo continente menos um, o Benfica. Vai disputar-se entre 11 e 25 de Agosto, com todos jogando contra todos. O Benfica entra em campo dia 11, frente ao Boca Juniors. Otto Glória é novamente treinador, Eusébio não aguenta o jogo inteiro e é substituído por Calado. Para o futuro, ficará a famosa fotografia de Eusébio, de joelho enfaixado, abraçado a Rattin, o grande defesa da selecção argentina. Ao golo de Suñe, de «penalty», aos 74 minutos, responde Jacinto, também de «penalty» quatro minutos depois. Entretanto, o Santos batia o River Plate por 2-1 e o Boca Juniors goleava o Nacional por 5-1.
Depois veio o sempre tão ansiado Santos-Benfica. Mas o Santos tem Pelé e o Benfica só tem algum Eusébio. Mais um vez será substituído por Calado. Os brasileiros fazem 3-0, com três golos de Toninho; Toni reduz, mas logo no início do segundo do tempo Toninho 4-1. O 4-2 é de Calado, a três minutos do fim. O Benfica está desde logo arredado da hipóteses de conquistar o troféu. Mas os seus jogos continuam a ser entusiasmantes, mesmo que Eusébio não possa ser o Eusébio do costume. O Santos empata em seguida com o Nacional (2-2), e o Benfica empata igualmente com o River Plate (3-3), com Eusébio a marcar um golo, de «penalty», e Torres a marcar dois. Os dois clubes argentinos empatam (0-0) e o Benfica soma nova derrota, frente ao Nacional (1-2), golo de Jacinto. Simões e Eusébio não jogam e perdem a possibilidade de reencontrar o guarda-redes brasileiro Manga, que tinham batido no Mundial de 1966, agora a jogar pelos uruguaios. Nacional, 1 - River Plate, 0; e Boca Juniors, 1 - Santos, 1, são os últimos resultados. O Santos leva o troféu. Para o infeliz Eusébio o consolo medíocre de também Pelé não ter marcado mais do que um golo durante o torneio.
Eusébio pode estar lesionado, mas é preciso seguir viagem, seguir sempre viagem. A equipa voa para Caracas, para um amigável com o Botafogo (0-2), para a Colômbia e para Bogotá, para jogar com o Independiente de Santa Fé (0-0), e finalmente para Nova Iorque, no Yankee Stadium, perante mais de 40.000 pessoas, novo Benfica-Santos, desta vez com um espectacular empate (3-3)."
Afonso de Melo, in O Benfica
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