"'Bom dia, Senhor José, está tudo bem consigo?', pergunta o presidente do Benfica, confiante e humilde, ciente de presidir a um clube centenário e de se encontrar ali, sem filtro e sem rede, com um século de Benfica personificado num único homem.
Cem anos merecem respeito e admiração!
Do outro lado, uma voz sem idade, a um tempo frágil e robusta, um olhar sereno e sábio que tudo diz porque tudo já se viu no devir de um século inteiro de existência. José Justo Coelho nasceu no fim da Primeira Guerra Mundial em pleno pico da gripo espanhola, uma das pandemias mais temíveis de que há memória. Por essa altura, um Benfica jovem já dava que falar porque arrebatava tudo, fossem vitórias, fossem pessoas, enchia e transbordava o pequeno campo de Sete Rios e sonhava alto com um novo campo nas Amoreiras capaz de acolher todas as paixões do Clube. Ainda menino, viu chegar o Estado Novo, não tinha 10 anos feitos, e o Benfica arrebatava-lhe o coração por entre revoltas, tiroteios, ruas em estado de emergência e um mundo a contas com a grande recessão. Tudo viu serenar, excepto a fome que abrandou mais lentamente no Povo, e, quando somou 18 anos, repartindo a paixão entre o Benfica e os namoricos, viu o mundo afundar-se de novo no medo e na morte, primeiro em Espanha, depois em toda a Europa. Passou vida racionada como todos e viu sair comboios de Lisboa com 'Sobras de Portugal'. Que sobras, se ao Povo faltava tudo? Ao menos estava lá o Benfica, bem pertinho, quente no coração a vibrar com o relato sem ver o jogo, aviando fregueses de ambulante nas redondezas dos campos das Amoreiras e do Campo Grande. Por esses dias perdidos de 49, nascia quem do outro lado lhe faltava e aprendia a amar o Benfica à medida que acordava para o mundo, sem privilégios e no seio daquele Povo anónimo que enchia os campos e acendia as paixões. Foram duros os tempos para ambos, um na meninice, outro na flor da vida, mas não lhes chegou a guerra à porta. Essa viria depois, na meia-idade, em terras de África, onde o português era falado e o Benfica amado. Desencontros na História, injustiças terríveis que levam a matar-se entre si povos irmãos. Mas dali mesmo, bem para cá do Cabo das Tormentas, confirmou-se a boa esperança e encheu-se o Benfica, Portugal e o mundo com a glória de um nativo. Também filho do Povo, sem fortuna ou privilégio, mas com uma bola de trapo nos pés e uma ambição digna de um rei. O grande Eusébio foi como uma onda de esperança e orgulho que invadiu todos os corações num arrastão Benfica. E estes dois homens, que agora falam olhos nos olhos num encontro improvável, estavam lá, ambos anónimos e vibrantes a sonhar mais e mais Benfica. E estavam lá também quando se fez o grande Estádio da Luz, o primeiro e o segundo, vibrando de igual modo, o primeiro empreendendo, construindo, arriscando, vencendo. O segundo amando a grandeza de que faz parte desde sempre e enchendo a alma com o encarnado das vitórias, que sara medos e angústias, mobiliza forças e desejos e projecta cada benfiquista no futuro com a confiança de um campeão.
Também assim será agora, porque, como bem sabe José Coelho, depois da tempestade vem a bonança, e o Benfica está sempre lá, vivo, vibrante, lutando e vencendo, inspirando os seus e dando aos outros um exemplo invejável. Será sem dúvida assim, também desta vez, sabe-o bem o presidente do Benfica, porque na adversidade encontra o ânimo; na derrota, o fermento da vitória; na resiliência, o músculo do empreendedor, e no Benfica, uma razão de viver! Vai ficar tudo bem, de outro modo não poderia ser..."
Jorge Miranda, in O Benfica
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