"Há gente que tem uma tendência inata para a tarouquice que parece quase científica. No mesmo momento em que o Merceeiro Analfabeto escreve nas páginas desacreditadas do seu panfleto que desde que D. Palhaço surja providencialmente em algum lado - provavelmente com a aura de alguma Nossa Senhora de Fátima (não com a Fatinha da joelharia de joelhos) - tudo muda, tudo mudou mesmo para um pobre profissional da Imprensa falada, que viu a vida a andar para trás enquanto se sujeitava à linguagem poluída do labrego da Madalena e às bofetadas de alguns paus-mandados de vão de escada. Que o Merceeiro Analfabeto é um génio da escória já toda a gente sabe. Por onde se esconde, já é mistério. Nalguma lura húmida na qual fungos como ele se sentem em casa.
Por seu lado, o Bófia Paleolítico Inferior foi à bola. Ao contrário do merceeiro na lura, não é lugar onde se sinta à vontade. Ficou por ali, espreitando o jogo por entre os quadrados da rede, ele que tanta gente deixou a ver o sol aos quadradinhos, sem perceber grandemente o que se passava lá por baixo pelo relvado, mas compreendendo em absoluto todos os insultos que lhe eram gritados em coro aos ouvidos como se de música se tratasse. O Bófia Paleolítico Inferior sentiu-se importante. Quando o jogo acabou sentiu-se meio perdido. A seu lado, um rapazito desdentado, habitual frequentador da Mitra de Lisboa, deu-lhe uma cotovelada compincha:
-Ó Bófia, tens aí lume?
O Bófia Paleolítico Inferior emprestou-lhe o isqueiro Dupond. Nunca mais o veria. Não foi preciso esperar muito para lhe chegar à pituitária um cheiro a plástico queimado. O fumo escuro e grosso quase não o deixava respirar. O Bófia Paleolítico Inferior olhou em volta. Tal como o profissional da Imprensa falada, os soldados da paz que procuravam apagar o fogo eram tratados à bofetada. Assobiou para o lado, meteu as mãos nos bolsos e fugiu da confusão. Mais tarde haveria de se armar em valente..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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