"Percebe-se a visão parcial motivada pela cegueira do amor à camisola, mas essa incoerência, analisa Duarte Gomes, é que torna a narrativa maior pouco credível. Enfraquece a nobreza da visão. Se queremos melhor futebol, defende o antigo árbitro, e esperamos que os árbitros arrisquem mais e só sancionem infrações claras, temos - adeptos e clubes - que estar disponíveis para aceitar os danos colaterais decorrentes dessa opção.
O número de interrupções que existem durante os jogos de futebol são o maior obstáculo à sua intensidade, qualidade e imprevisibilidade.
Quando a bola não rola, o jogo morre. Não há passes vistosos, defesas monumentais ou golos espantosos. O que há é uma maior propensão para a discussão, para a quebra de rendimento e para a interrupção daquela que é a verdadeira essência do espetáculo.
Quanto a causas, bem, já muito se disse e escreveu sobre o que pode ser feito para travar tanta paragem, imprimindo mais e maior ritmo ao jogo.
Sabemos, por exemplo, que quanto mais infrações forem assinaladas, menos se joga. Também sabemos que quanto mais se simulam lesões ou se perde tempo em substituições/bolas paradas, mais se enerva o adversário e mais se irritam os adeptos.
Em suma, estamos mais ou menos cientes do esforço que deve ser feito por todos:
- Pelos árbitros, que devem manter critério largo na análise de alguns contactos; pelos jogadores, que devem assumir conduta ética, evitando comportamentos antidesportivos; pelos treinadores, que devem impedir (e nunca incentivar) os atletas a recorrem a expedientes menores; e até pelas próprias leis de jogo, que têm que continuar a implementar regras que valorizem o jogo corrido, penalizando quem tenta travá-lo.
Mas uma das conclusões a que é impossível não chegar é a constatação de que alguns adeptos (não todos) sofrem de alguma “hipocrisia emocional”.
Todos aqueles que estoicamente exigem menos faltas porque a bola tem que rolar ou porque na Premier League é que é bom, são na verdade os primeiros a vitimizarem-se quando a bola entra na sua baliza depois do árbitro não punir um contacto atacante. São também os primeiros a criticar arbitragens quando o toque ignorado a meio-campo resultou num penálti contra ou numa lesão do seu atleta.
Percebe-se a visão parcial, motivada pela cegueira do amor à camisola, mas essa incoerência é que torna a narrativa maior pouco credível. Enfraquece a nobreza da visão.
Se queremos melhor futebol, se esperamos que os árbitros arrisquem mais e só sancionem infrações claras, temos que estar disponíveis para aceitar os danos colaterais decorrentes dessa opção. Temos que aceitar as consequências daí inerentes.
Isso vale para os tais adeptos mais apaixonados, mas também para quem, nos próprios clubes, parece defender a fluidez de jogo apenas quando dá mais jeito.
Desculpem, mas não pode ser.
Essa tendência, quase sempre inconsciente, deve ser contrariada pela via da razão, porque só assim se conseguirá um avanço cultural genuíno. Quando queremos o bem maior (no caso, o do futebol-espetáculo) não podemos nunca “condicioná-lo” à parte que nos toca.
Parece-me que ainda temos alguns passos a dar neste capítulo."
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