"Em consequência do ambiente pesado, violento e medíocre que se estava a desenvolver nos JO de Londres (1908) devido às violentas disputas entre americanos e ingleses Ethelbert Talbot, Bispo da Pensilvânia (EUA), numa cerimónia religiosa realizada na Catedral de Saint Paul, na prédica que dirigiu aos atletas disse: “… o importante nos Jogos Olímpicos (JO) não é ganhar mas sim participar, tal como o essencial na vida não é conquistar mas lutar bem”.
Muito embora o discurso do Bispo tenha passado despercebido à maioria dos presentes, como se veio a verificar pelos incidentes acontecidos posteriormente na corrida dos 400m barreiras e na corrida da maratona, o que é facto é que Coubertin não deixou de aproveitar a metáfora do Bispo para, no discurso proferido a 24 de Julho, aquando do banquete de encerramento dos Jogos, dizer: “Domingo passado, durante a cerimónia organizada em São Paulo em honra dos atletas, o Bispo de Pensilvânia referiu em termos muito felizes: o importante nas Olimpíadas é menos ganhar do que participar. O importante na vida não é o triunfo mas o combate”.
Infelizmente, esta proclamação de Coubertin tem sido interpretada com um sentido diametralmente oposto àquele que tanto ele como o Bispo da Pensilvânia pretendiam expressar. Quer dizer, não se tratava de abrir os Jogos a qualquer um independentemente do seu nível de excelência. Antes pelo contrário, tratava-se de afirmar que, no original “citius, fortius, altius“ da máxima olímpica, mais importante do que ganhar era participar na medida em que era através da participação que cada atleta podia “lutar bem” quer dizer, expressar a dimensão da sua excelência em relação ao “altius” do Cristianismo Muscular em busca da superação e da transcendência para além do resultado desportivo.
Portanto, estava fora de questão abrir a participação a qualquer um, nivelar por baixo ou promover um padrão de mediocridade em confronto com o padrão de excelência do “citius, fortius, altius” instituído em 1894 aquando da realização do Primeiro Congresso Olímpico e da fundação do Comité Internacional do Jogos Olímpicos que viria a resultar no Comité Olímpico Internacional. Antes pelo contrário, tratava-se de exigir um elevado padrão de excelência na luta a todos aqueles a quem tinha sido reconhecido a capacidade de “lutar bem” que lhes permitia participar. Porque, os outros, como diria Hesíodo, “que fossem competir para outros lugares e com outras gentes”.
Ora bem, a confusão a respeito da participação que reina no espírito de muitos dirigentes que, deslumbrados com as luzes da ribalta, estão mais interessados no “dress code” das olímpicas cerimónias do que nos princípios e nos valores do Olimpismo, fica de sobremaneira exemplificada numa comparação entre Portugal e a Coreia do Norte relativamente à performance dos dois países nas últimas edições dos JO. Por exemplo, nos JO do Rio de Janeiro enquanto a Coreia do Norte apresentou um missão composta por 31 atletas a competirem em 9 desportos para ganhar 7 medalhas (2;3;2) e ficar na trigésima quarta posição entre países, Portugal apresentou-se com uma missão com 180 elementos dos quais 92 atletas para competirem em 16 desportos, ganhar “in extremis” uma medalha de bronze e ficar em 78º lugar, quer dizer, a três lugares do fim da tabela das Missões medalhadas. Isto significa que, enquanto a Coreia do Norte obteve uma excelente taxa de sucesso de 23%, Portugal obteve uma miserável taxa de sucesso de 0.84% mesmo expurgando da contabilidade os 18 jogadores de futebol. Não foi, certamente, a uma participação com uma miserável taxa de eficácia de 0.84% que o Bispo da Pensilvânia ou Coubertin se estavam a referir quando proclamaram que “o mais importante nos JO é menos ganhar do que participar porque, na vida, o mais importante não é o triunfo mas o combate”.
Entretanto, acresce que esta falsa interpretação de que o “importante é participar” está a conduzir muitos CONs por esse mundo fora para situações absolutamente degradantes em que as missões são constituídas por cidadãos de plástico que, na realidade, para além de um burocrático passaporte nada têm a ver nem com os países nem com o desporto que lá se pratica, mas, tão só, com a necessidade de alimentar um espectáculo ultraliberal que, infelizmente, é sustentado à custa do dinheiro dos contribuintes, da dignidade dos cidadãos e do miserabilismo do Movimento Olímpico dos respectivos países.
Em 1896 numa mensagem à juventude americana Coubertin dizia que os Jogos eram “necessários e adequados para manter o espírito de emulação a um nível justo entre as nações”. Todavia, o que tem vindo a acontecer é que, em muitos países, a constituição das Missões Olímpicas revela, tão só, o estado de mediocridade e indigência em que o dirigismo desportivo se encontra uma vez que estão a ser constituídas Missões Olímpicas por cidadãos de plástico a fim de alimentar o atavismo cultural de alguns dirigentes desportivos para quem o Movimento Olímpico é um pretexto para fazerem turismo à custa dos contribuintes.
No final da sua odisseia olímpica, em 1925, Coubertin, perante o que já então se começava a passar, propôs a depuração do Olimpismo de maneira a que os JO deixassem de ser uma espécie de Campeonatos do mundo exclusivamente vocacionados para os resultados. E explicava que, talvez, tivesse chegado o momento de desencadear uma necessária depuração em muitos CONs e, até, no COI. Porque, para ele, a emulação não era um simples quebrar de recordes. A emulação, antes de tudo, devia traduzir-se numa ética de autenticidade que é o que, actualmente, mais falta faz aos CONs quando apostam em “atletas de plástico” sem quaisquer raízes ao território nacional ou em missões inflacionadas a fim de, numa estratégia de “pesca à rede”, tentar conquistar uma ou outra medalha olímpica. No fundo, estes procedimentos que revelam um terrível mau gosto só servem para justificar umas tantas viagens para uns dirigentes desportivos que só o são, não porque gostam do desporto mas, tão só, porque gostam de viajar. Mais tarde, em 1931, num texto intitulado “La Bataille Continue” Coubertin voltava a criticar aqueles que “confundiam JO com Campeonatos do Mundo e estimavam o valor da celebração de uma Olimpíada pelos recordes que baixavam alguns segundos ou elevavam alguns centímetros”.
Para ele, os JO, enquanto evento competitivo, deviam ser considerados uma “manifestação pedagógica” realizada com o objectivo de centralizar o pensamento colectivo das pessoas num projecto comum que devia colocar o desporto ao serviço da humanidade. Neste sentido, o êxito de uma Missão Olímpica “devia ser medido em função da acção que exercia na sociedade em geral”. E, enquanto expressão do próprio país devia estar impregnada de educação, de cultura, de história, de arte e de filosofia de vida, para além das medalhas conquistadas que, só por si, podiam nada representar.
Em 1984 durante a realização do Primeiro Congresso Olímpico Coubertin avisou: “A imperfeição humana tende sempre a transformar o atleta de Olímpia num gladiador de circo”. Neste termos, quando vemos o miserabilismo das Missões Olímpicas de alguns países temos de concluir que os dirigentes desportivos e políticos, para além de já nem se preocuparem em, verdadeiramente, assumir responsabilidades pelos desaires de que são responsáveis, perante os cidadãos contribuintes, insistem em transformar o Olimpismo numa espécie de jogo em que, ridícula e tristemente, à custa do dinheiro dos contribuintes, munidos de uns atletas de inferior qualidade, se arvoram em deuses do Olimpo. É tempo de se acabar com o circo no Movimento Olímpico. Haja decoro."
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