"Franco e o seu médico, Vicentón, acertaram nos doze resultados do totobola e ganharam 900.333,10 pesetas numa aposta de 24.
Diz-se por aí à boca cheia que todos os canalhas têm sorte, e Francisco Franco Bahamonde, o Generalíssimo de El Ferrol, não fugiu à sua sina: de canalha e de afortunado. Tinha uma paixão diariamente alimentada pela sua mulher, Carmen Polo, o que só lhe ficava bem, e passavam ambos as tardes de domingo a verem filmes num estúdio construído de propósito para isso no Palácio El Pardo. Com o aparecimento da televisão, encheu os compartimentos de aparelhos para poder movimentar-se de um lado para o outro ao mesmo tempo que deitava o rabo do olho aos seus programas favoritos e a qualquer notícia que o incomodasse e fizesse com que pusesse os seus sicários na peugada de algum infeliz que não tivesse por ele o respeito que exigia para si próprio.
O seu médico particular, Vicente Gil, mais conhecido por Vicentón, tornou-se parceiro das tardes desportivas. O coração negro do Caudillo diz-se que batia a branco, o mesmo branco das camisolas do Real Madrid cujas proezas na Taça dos Campeões foram festejadas por Franco com a certeza de que tendo os madrilenos felizes era um primeiro passo para que o não chateassem muito com a escassez de liberdades que lhes havia imposto. Mas, apesar de tudo, em Espanha nunca ninguém conseguiu ter a certeza de que a simpatia total de Franco caísse para o lado dos madrilenos e muito usam como exemplo uma série de medidas tomadas pelo seu governo que permitiram ao Barcelona diversos negócios de terrenos a preços tão favoráveis que permitiram ao clube catalão sair de uma situação séria de quase bancarrota.
A década de 1950 foi entusiasmante para o futebol espanhol. Choviam diariamente jogadores de extrema qualidade para as equipas que disputavam o título, a começar por Di Stéfano que provocou uma tremenda trabusana ao assinar pelo Real e pelo Barça concomitantemente, obrigando o assunto a ser resolvido pela FIFA de forma salomónica, ordenando que o jogador jogasse uma época em cada equipa, algo que os catalães recusaram, entregando-o de mão beijada ao Real para que ganhasse cinco Taças dos Campeões Europeus consecutivas. Também se comentou, e ainda hoje se comenta, que Franco terá metido o bedelho no assunto, protegendo os interesses madridistas, mas o facto é que se diz tanta coisa que nem sempre distinguimos a realidade do mito. Foi igualmente o tempo da chegada dos refugiados húngaros, vindos da queda definitiva do seu país nas patas do urso soviético: Puskás, Kubala, Czibor. No Brasil, no Mundial de 1950, a Espanha obtinha a melhor classificação de sempre até aí: quarto lugar. No dia em que bateu a Inglaterra, o telefone do Caudilho tilintou. Do outro lado, uma voz excitada comentava: «Caudillo, hemos batido a la pérfida Albión».
Francisco Franco gostava de futebol. E gostava, sobretudo, de se apresentar perante as multidões ululantes dos estádios que gritavam o seu nome e o aplaudiam até as mãos doerem numa submissão tão típica das ditaduras latinas. Além disso, a meias com Vincentón, jogava religiosamente o totobola, que em Espanha é conhecido por quiniela.
Rogelio Baon escreveu um livro interessantíssimo sobre o Generalíssimo: La cara humana de un Caudillo. A determinada passagem revela um dos vícios do homem que governava Espanha: «El Generalísimo y su médico llenaban al alimón dos boletos, uno de ellos firmado [en los primeros años] como Francisco Cofrán (con las sílabas invertidas del apellido Franco) y otro confeccionado conjuntamente. En una ocasión obtuvieron un premio menor de 2.800 pesetas». Claro que 2.800 pesetas para Franco e para Vicentón não servia para muito mais do que beber uma garrafa de Rioja (crianza) e comer uns bocadillos, mas demonstrava que a deu Fortuna não estava disposta a deixar que o canalha desperdiçasse o seu dinheiro, logo ele que dispunha de todos os bens do Estado a seu bel-prazer.
No fim de semana de 27 e 28 de maio de 1967 não houve campeonato em Espanha. A seleção tinha um compromisso internacional e o totobola desse interregno foi composto pelos jogos da 35.ª jornada do Campeonato Italiano, na qual cabiam duas cabeças de cartaz, a Juventus-Lazio e a Roma-Fiorentina num toral de catorze jogos de aposta, sendo dois de reserva. O primeiro prémio acabou por ser repartido pelos que tiveram doze resultados certos já que duas das partidas do calcio acabaram por ser adiadas. Dez pessoas em toda a Espanha fizeram o pleno. O valor atribuído a cada uma delas foi, exatamente, de 900.333,10 pesetas, ou seja, quase um milhão. Entre os felizardos contavam-se dois figurões: Francisco Franco e Vicente Gil. Tinham feito uma aposta de 24 pesetas e registaram-na em nome de Francisco Franco, Palácio El Prado. Paul Preston, que escreveu uma excecional biografia do Caudillo, comenta a propósito deste episódio: «É difícil imaginar Hitler ou Mussolini a fazerem apostas deste tipo». Mas Franco tinha uma regra de vida - «La suerte hay que jugarla!». Algo que também dificilmente ouviríamos do nosso António Salazar que agradecia sempre a Deus a providência de ser pobre."
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