"Um dos factores que exercem maior fascínio entre os amantes do futebol está relacionado com a incerteza dos resultados, mesmo quando se trata de adversários desequilibrados. Tal deve-se às características do jogo (enorme dificuldade em marcar golos) e à cada vez maior uniformização de metodologias de treino, independentemente da capacidade de investimento de cada clube. A bola preparação física e táctica da generalidade das equipas, num desporto em que é significativamente mais fácil defender do que atacar, a que acresce a discrepância nos objectivos de cada clube, sejam referentes à competição ou à partida em disputa (na maior parte dos casos, a uma das equipas só interessa a vitória enquanto à outra também lhe serve o empate). Por isso, é normal ouvir-se que este é um jogo que se decide nos detalhes, por norma reservados aos grandes jogadores, os quais custam muito dinheiro.
Mas se é indiscutível que a incerteza do resultado, apesar de as estatísticas indicarem o contrário, existe de facto quando uma partida é iniciada, não menos o é que, em provas de regularidade ou mesmo naquelas disputadas por eliminatórias, mas em que o sorteio é condicionado, ganham, na grande maioria dos casos, as equipas favoritas, ou seja, as que mais investem.
A propósito deste tema, Michel Platini, presidente da UEFA, em entrevista publicada na edição de Julho da revista 'World Soccer', manifestou alguma preocupação, revelando que considera necessário proceder-se a alterações no futebol de forma a promover a competitividade nas provas europeias, e nos diversos campeonatos nacionais e, assim, evitar o possível desinteresse dos adeptos. O antigo jogador francês foi mais longe, ao afirmar que o que é verdadeiramente importante é limitar a possibilidade de concentração dos melhores jogadores em meia dúzia de equipas e recorda que Barcelona e Real Madrid têm dividido quase todos os títulos em Espanha na última década, a Juventus é tetracampeã nacional Italiana e Bayern Munique e PSG são tricampeões nacionais Alemão e Francês, respectivamente.
É justo reconhecer que a UEFA tem tentado criar mecanismos de controlo do negócio futebol. A criação do 'fair-play financeiro' em 2010 e a sua aplicação a partir do ano seguinte (a primeira avaliação dos clubes foi realizada em 2014 e o regulamento foi actualizado este ano) obrigaram a que os clubes sejam mais racionais na tomada de decisões, estando impedidos de, no período compreendido entre 2015/16 e 2017/18, apresentarem mais de 30 milhões de euros de prejuízo (o investimento em estádios, centros de treino e a aposta na formação de jovens e no futebol feminino estão excluídos desta avaliação).
Esta medida visa, sobretudo, zelar pela sustentabilidade financeira dos clubes, ao impor a racionalidade sobre a emoção e limitando a capacidade de um único interveniente desvirtuar a competição conforme ocorreu, por exemplo, quando surgiram os primeiros magnatas investidores no futebol europeu que, mais do que oferecerem uma visão estratégica e/ou novos processos de gestão, 'limitaram-se' a injectar dinheiro no apetrechamento dos seus plantéis.
No entanto, e apesar de o 'fair-play financeiro' ser destinado à 'melhoria da saúde financeira global do futebol europeu', esta não é uma medida que resultará numa solução para o problema da falta de competitividade dos vários campeonatos europeus. Houve, inclusivamente, quem, neste âmbito, a criticasse, pois poderia tornar ainda mais difícil aos clubes pequenos aproximarem-se, mesmo que episodicamente, dos maiores clubes. A UEFA refuta este argumento, recordando que essa realidade é anterior à implementação de o 'fair-play', Platini, na entrevista referida anteriormente, defende que o fosso entre clubes aumentou a partir da entrada em vigor da Lei Bosman, e eu acrescento que a evolução da Liga dos Campeões, nomeadamente no que diz respeito à distribuição de prémios, e os contratos de exploração dos direitos televisivos celebrados nos últimos anos em Inglaterra, Alemanha e Espanha (além de casos pontuais em Itália e França) fizeram o resto, tornando numa miragem, aos clubes dos restantes países, a ambição da conquista da principal prova europeia.
Ciente desta problemática, e com a impossibilidade de contrariar o direito de livre circulação de cidadãos dos países comunitários na União Europeia, a UEFA entendeu, há poucos anos, condicionar os clubes na escolha dos jogadores que compõem os seus plantéis, introduzindo a obrigatoriedade de inscrição de, no mínimo, quatro formados no clube e de outros quatro formados localmente (inscritos pelo menos três anos na federação do país entre os 15 e os 21 anos), depreendendo-se que, de acordo com declarações do presidente da UEFA, este requisito seja ampliado num futuro próximo, tendo, inclusive, revelado que pretende discutir o tema com o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, numa reunião agendada para Setembro.
Ironicamente, numa demonstração de que, por vezes, a bondade das medidas, ao serem definidas, não encontra paralelo quando as mesmas são aplicadas, já há quem, em Inglaterra, critique esta restrição à inscrição de atletas, por, na sua opinião, resultar numa sobrevalorização dos jogadores formados localmente. É lógico: se a procura aumenta e a oferta se mantém, o preço sobe.
Em Portugal, o Sporting, seja por necessidade ou princípio filosófico, é o clube, entre os 'três grandes', que há mais anos aposta na formação. Dessa política poucos benefícios tem obtido desportivamente, a escassez de títulos é um flagelo para os seus adeptos; financeiramente, a acumulação de maus resultados é evidente. O Benfica, após anos de política 'expansionista', parece agora começar a inverter essa tendência. Anos de investimento em infra-estruturas e departamentos de suporte transformaram o clube no dominador da formação, somando-se, no presente, o que mais proveitos financeiros obtém desta aposta. A julgar pelas intervenções públicas dos seus dirigentes, pretende agora capitalizar esse investimento também no plano desportivo. Pelo contrário, o FC Porto, talvez pela pressão do mau desempenho desportivo recente, insiste em investir fortemente em jogadores feitos e caros, na presunção de que o retorno desportivo seja imediato e correndo o risco de, a médio prazo, ter que lidar com graves problemas financeiros.
No plano teórico, e num cenário em que a UEFA imponha uma restrição mais ampla à inscrição de atletas estrangeiros, Sporting e Benfica estarão melhor preparados que o FC Porto. No entanto, há que considerar que, sempre que há um sector em que coexistem entidades reguladoras e reguladas, as segundas adaptam-se às imposições das primeiras. Provavelmente, os clubes europeus mais ricos passarão a contratar os jogadores estrangeiros mais promissores do escalão sub-17 e, se necessário, a emprestá-los a clubes do seu país, antecipando-se ao problema que a UEFA lhes julga estar a criar. Em boa verdade, esta prática já é comum. A diferença é que passará a ser sistemática, podendo, num cenário pessimista, colocar em causa até o propósito do investimento sério na formação de jogadores nos países menos endinheirados.
Na minha opinião, a única forma que a UEFA tem de alterar este paradigma, caso esteja de facto preocupada com a competitividade e a rotação competitiva nas suas competições e campeonatos nacionais dos países que a integram, passa pela instituição de um tecto salarial às equipas participantes nas competições por si organizadas. E esta nem sequer seria uma solução inovadora. Os seus méritos, salvo as devidas diferenças (ligas fechadas e sistema de 'draft' no recrutamento de jogadores), estão comprovados no desporto americano, em que a rotatividade dos campeões é a norma."
João Tomaz, in Visão Económica
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