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quinta-feira, 27 de novembro de 2025

“Temos Plano. Falta Coragem"


"O Governo apresentou esta semana o Plano Nacional de Desenvolvimento Desportivo. Um documento ambicioso: 44 medidas, seis eixos estratégicos e uma visão a 12 anos. É positivo que exista. Finalmente, Portugal parece querer falar seriamente de desporto.
Mas entre querer tudo e transformar alguma coisa vai um abismo. E o plano, tal como está, corre o risco de cair na armadilha clássica do desporto português: tenta agradar a todos e, por isso mesmo, pode não mudar nada.
Antes de planear é preciso diagnosticar. Antes de prometer é preciso escolher. E o PNDD, apesar das boas intenções, continua a evitar as escolhas difíceis.
Uma das lacunas mais gritantes é precisamente essa: numa economia de recursos limitados, a ausência de escolhas. A definição de modalidades prioritárias continua a ser tabu. Aqui falo com consciência tranquila, nas jornadas do IPDJ para a construção de um Plano Desportivo nas quais participei como quadro federativo, coloquei essa sugestão de forma clara: um pilar estratégico baseado em diagnósticos e escolhas, onde se definisse onde apostar e porquê. A resposta foi quase unânime e totalmente corporativa: “NÃO!”
Continuamos a financiar o sistema como se todas as modalidades tivessem o mesmo potencial, o mesmo retorno, a mesma massa crítica ou o mesmo nível competitivo. Não têm. Fingir que sim não é estratégia, é apenas a distribuição simpática de recursos para não incomodar ninguém.
No alto rendimento, a mesma falta de coragem. Ainda não conseguimos responder à pergunta fundamental: o que é, afinal, SUCESSO?
É ter mais atletas apurados? É chegar a finais? É trazer medalhas? É bater recordes?
Sem nada disto definido, não há responsabilização. E sem responsabilização, o alto rendimento continua entregue ao acaso, ao talento individual, ao herói ocasional. Portugal vive de exceções, não de sistemas. O plano fala do abandono juvenil mas falar não resolve. Enquanto não houver articulação real entre escola, clubes e universidades; incentivos à prática regular; exigência na qualidade do ensino desportivo; e uma estratégia nacional para manter adolescentes ativos, continuaremos a perder talento antes de ele nascer.
A responsabilização aparece no documento, mas de forma tímida. Monitorizar não chega.É preciso metas públicas, avaliação independente, financiamento ligado a resultados e coragem política para mexer em estruturas que sobrevivem precisamente porque nunca são medidas.
Mas nada disto me impressiona tanto como outra grande ausência: a voz dos próprios atletas. O plano fala de atletas, sobre atletas, para atletas, mas quase nunca com atletas. E não, não basta ter agora e alguns, em cargos dirigentes para justificar que “a voz dos atletas está representada”. Muitas vezes, essa voz é engolida pelo sistema; outras vezes, cede à lógica instalada onde o silêncio compra influência futura.
É duro assumir isto, mas alguém tem de o dizer: os atletas portugueses ainda não se afirmaram como força transformadora. Participam pouco, intervêm menos e raramente contestam. Será medo? Será desgaste? Falta de tradição democrática? Ou apenas a recusa em pagar o preço da mudança? Não sei. O que sei é que, enquanto forem tratados ,e se deixarem tratar como carne para canhão, nada mudará.
E depois há o tema que o país insiste em tratar como secundário: as infraestruturas, Continuamos a construir sem perguntar “para quê?”.Fala-se em redes, acessibilidade, descentralização… mas ignoram-se as perguntas básicas: O que estamos a construir? Para que modalidades? Para que comunidades? Com que critério técnico? Em função de que escolhas?
Sem isto, repetimos a velha tradição portuguesa: edifícios novos, pouco uso, impacto quase nulo. E há ainda um detalhe que não é detalhe: a cronologia do processo. Primeiro exigiu-se às federações que elaborassem um Plano de Desenvolvimento Desportivo, ensinaram-se os básicos, os rudimentos. Só depois apareceu a visão estratégica da tutela, Resultado: uma manta de retalhos. De um lado, o nacional porreirismo e a boa vontade das federações; do outro, a visão da tutela. Não casa. Não encaixa. Não resulta.
O PNDD tem boas intenções e algumas boas medidas. Mas numa economia de recursos limitado, falta-lhe o que sempre faltou ao país: prioridades, escolhas, metas, responsabilização e coragem para enfrentar a cultura instalada. E falta-lhe algo que não se escreve em papel: atletas que levantem a voz. Portugal diz que quer transformar o desporto, mas será que quem o pratica todos os dias quer mesmo fazer parte da mudança?
Até agora… duvido!"

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