"Chega ao fim o mais controverso campeonato do Mundo de sempre.
Disputado num país anacrónico em que o principal desporto é a corrida de camelos.
Disputado num país onde o dinheiro se sobrepõe a qualquer valor humano por direito.
Disputado graças a uma teia de corrupção à escala planetária, dos pratos de migalhas para os dirigentes do futebol aos contentores de euros para os políticos de Bruxelas.
Disputado pela primeira vez no meio de uma época desportiva sem respeito pelos jogadores, cujo esforço extraordinário vai certamente prejudicar as performances das equipas no segundo semestre, e, portanto, sem respeito pela saúde da própria indústria do futebol, mantida pelos clubes e pelas ligas e não pela FIFA.
Disputado em estádios faraónicos, autênticas necrópoles de trabalhadores inocentes, doravante condenados a uma vida de elefantes brancos, sem préstimo nem justificação, num país onde a média de espectadores é inferior a mil pessoas por jogo na principal liga.
Disputado num ambiente artificial de festa ecuménica, paredes meias com a repressão ideológica e religiosa que condena à morte filiados do futebol só porque defendem direitos básicos das mulheres.
Do Mundial do Catar, talvez o pior de sempre, salvaram-se os profissionais, os treinadores e os jogadores, que alguém uma vez disse, profeticamente, que são o “melhor do futebol”. Apesar do péssimo nível das arbitragens, sacrificado pela necessidade de satisfazer as clientelas regionais da FIFA.
Os jogadores deram tudo em situações adversas, para satisfazer os caprichos dos novos césares nas tribunas e para gáudio das galerias acéfalas, como na Roma do poeta Juvenal, inconformado com a hipócrita política social de distribuição gratuita de comida e acesso aos jogos dos coliseus: “pane et circenses”.
Milenar contradição essa do filósofo romano também autor da expressão “Mens sana in corpore sano”, que alguns atribuem a uma Grécia olímpica onde não se escrevia em latim, de usar a saúde dos atletas para manipular as vontades dos povos: “o único caminho de uma vida tranquila passa pela virtude”, escreveu Juvenal na sua Sátira X.
É óbvio que os dirigentes do futebol mundial não seguem os Clássicos.
O próximo Mundial, em 2026 na América do Norte, será expandido de 32 para 48 selecções, o que significa que um em cada quatro países será finalista. Foi a solução proposta por Platini, primeiro, e agora por Infantino para distribuir o mal pelas aldeias, assegurando a reeleição pelo voto dos pequenos países, mas vulgarizando a um nível infra-competitivo o que era supostamente entendido como o máximo desafio deste desporto.
E porquê?
Porque a nova fórmula expandirá a competição de 64 para 80 jogos, concentrados no mesmo número de dias, quase um milagre da multiplicação, dos pãezinhos e dos circos, à razão de 120 milhões de euros por cada jogo a mais - que é o valor estimado das receitas de cada partida do Mundial para a FIFA, que, tudo somado, em 2026 deverão rondar os dez mil milhões de euros.
Ou, quem sabe, para a monstruosidade de 104 jogos em 32 dias, como a FIFA estuda agora, em função do “sucesso” do Catar, em cima de um Mundial de clubes completamente insano.
Indiferente aos avisos de sábios como Joachim Löw, para quem os “jogadores já atingiram os limites físico e mental”, e à oposição formal da Associação Europeia de Clubes, que considera inaceitável o actual calendário - Mundial é quando, como e onde Infantino quiser."
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