"Reporto-me, hoje, aos finais da década de 70 e princípios da década de oitenta, quando fui adjunto do Dr. Aníbal Silva e Costa, médico cirurgião e, nesses anos idos, director do Centro de Medicina Desportiva de Lisboa e director-geral de Apoio Médico. Preparava literariamente (apenas literariamente, como é óbvio) um conjunto de publicações reunidas sob a ampla expressão de Cadernos de Medicina Desportiva. Foram mesmo inúmeros os congressos de medicina desportiva, tanto em Portugal como no estrangeiro, em que participei, quase sempre versando dois temas: “O racionalismo na medicina e na educação física” e “O nascimento da clínica em Michel Foucault”. Num congresso, em Madrid (está vivo e são o Dr. Marcos Barroco, que não me deixa mentir) um médico alemão manifestou pública admiração pelo meu estudo, sobre o nascimento da clínica em Michel Foucault. Trata-se de um filósofo que, se bem penso, deveria estudar-se nos cursos superiores de desporto. O Doutor Gonçalo M. Tavares, um escritor tão grande no romance como no ensaio e que é novo em cada livro que escreve, sem sacrificar o que, numa obra literária, deve haver de permanente – o Doutor Gonçalo M. Tavares seria o docente indicado para professar um tema deste jaez. Digo e repito: onde mais aprendi sobre o itinerário histórico da Educação Física e do Desporto foi, precisamente, na História da Filosofia. Para ser mais preciso: em Descartes, em Espinosa, em Locke, em Kant, em Comte e em Foucault. E não esqueço o médico, Claude Bernard (1813-1878), nome de luminosidade inapagável, na História da Medicina e na História da Cultura. Defendeu sempre a íntima relação Filosofia-Ciência pois, segundo palavras suas, “a sua união eleva uma e estrutura a outra. Se o elo se rompe, a filosofia, privada do apoio e do contrapeso da ciência, sobe a perder de vista e desaparece nas nuvens, enquanto a ciência, ficando sem direcção, não obstante os seus altos propósitos, cai, pára, ou erra, ao acaso” (in Fernando Namora, Deuses e Demónios da Medicina, II volume, p. 65)…
Quando o Dr. Basil Valente Ribeiro, director e editor da Revista de Medicina Desportiva informa e um especialista em Medicina Desportiva de indiscutível saber e diligência, teve a bondade de convidar-me para o meu nome figurar no corpo editorial desta magnífica revista, logo acrescentou: “Não me esqueço do seu trabalho na edição dos Cadernos de Medicina Desportiva”. Reinou ao redor destes Cadernos um clima de efervescente entusiasmo mas eu quero salientar, agora, na modéstia das minhas palavras, os dez anos de existência da revista, única em língua portuguesa, Revista da Medicina Desportiva informa, do Dr. Basil Ribeiro. De facto, esta revista já se transformou no breviário de todos os especialistas portugueses, nesta área, que nela colhem preciosos ensinamentos e as mais candentes novidades. Ela representa um trabalho de documentação e informação, que enriquece a medicina, a educação, a cultura e o desporto, em Portugal. E não só em Portugal, sempre que especialistas doutros países a folheiam, a estudam, a consultam. Convivi, no Belenenses dos anos em que lá trabalhei (1964-1992), com os médicos, Drs. Silva Rocha e Camacho Vieira (este também um excepcional intérprete do fado de Coimbra) e relembro as queixas destes dois pioneiros da Medicina Desportiva, no nosso país, pela inexistência de uma revista que difundisse novas ideias e novos métodos, com séria fundamentação científica, desta especialidade médica. Já, há um bom par de anos, o Conselho da Europa definiu assim a Medicina Desportiva: “aplicação da arte e da ciência médica, sob o ponto de vista preventivo e terapêutico, à prática do desporto e das actividades físicas, no desejo de utilizar as possibilidades que o desporto oferece, para a manutenção e melhoria da aptidão e da saúde”. Aliás, o Conselho da Europa, pelas suas resoluções 7(70) e 27(73), há muito reconhece a Medicina Desportiva, como especialidade médica.
Mas, quem se der ao trabalho de coligir a Revista de Medicina Desportiva informa , nos seus dez anos de existência, terá entre mãos um verdadeiro manual de Medicina Desportiva, como outro não há em língua portuguesa. E sempre com entrevistas dos nossos melhores especialistas, alguns deles no apogeu do seu prestígio, como o Dr. José Ramos, médico do Boavista, antigo director do Centro de Medicina Desportiva do Porto, presidente da Comissão Médica do Comité Olímpico de Portugal, membro do Colégio da Especialidade de Medicina Desportiva e um dos mais voluntariosos dinamizadores dos cursos de pós-graduação, em Medicina Desportiva, da Faculdade de Medicina do Porto, entre outros cargos que já ocupou, com zelo impecável, no âmbito da Medicina Desportiva. Com uma vida profissional coroada de êxitos, vale a pena, portanto, aprender com o indiscutível saber do Dr. José Ramos, o último médico entrevistado, por esta Revista. À pergunta: “A prática clínica num clube de futebol mudou muito?” assim iniciou a resposta: “Mudou muitíssimo. Da medicina curativa passámos para a medicina muito mais preventiva. Quando entrei para o futebol, o objetivo era a intervenção na avaliação e controlo do treino, que hoje se faz com outros profissionais para além do médico e com muitos mais meios”. De facto, qualquer ciência hermenêutico-humana, como a Medicina, é eminentemente interdisciplinar e com uma postura de profundo holismo epistemológico. Não é possível deter-me, aqui, detalhadamente, diante da história da epistemologia. Posso, no entanto, adiantar que, na epistemologia da Medicina, o holismo e as teorias da complexidade se aplicam, com inusitada frequência e num grau de indispensabilidade. Se me permitem uma nótula de carácter pessoal: não esqueço o meu encontro, na cidade de Santiago (do Chile) com Maturana, um dos nomes inapagáveis da história da epistemologia.
Mas volto ao Dr. José Martins, com as palavras com que findou a sua entrevista: é preciso “apostar nos jovens especialistas, que têm muitas ideias e um caminho maior do que o nosso, para percorrer. É necessário regular a lei de Assistência Médico-Desportiva, que já existe, e entregar os destinos da Medicina Desportiva, a quem sabe. Não precisamos de mais leis: precisamos de cumprir as que temos”. Mas o Dr. Basil Ribeiro é um estudioso e portanto um profundo conhecedor da evolução científica da Medicina Desportiva. A sua cultura surge, em cada uma das rubricas que compõem esta revista. O Dr. Igor Santos Neto, na rubrica “O que andamos a Ler”, revela-nos, com mestria, um tema complexo mas indispensável, no “treino invisível” do atleta. E, a este propósito, adianta: “De acordo com a Academia Americana da Medicina do Sono, os adultos devem ter entre 7 a 9 horas de sono, para melhorar a recuperação e adaptação ao esforço físico”. No entanto, como resultado de exames realizados em 800 atletas de elite sul-africanos, refere o mesmo estudo, “quase 75 % dos atletas confessaram que dormiam menos de 8 horas/dia e 11% dormiam menos de 6 horas/dia”. O artigo salienta ainda a relação entre o sono e o rendimento desportivo. E ainda a relação do sono com as lesões e as doenças. Para o Dr. Basil Ribeiro não há, no conhecimento científico, domínios estranhos ou reservados. E, daí, os convites endereçados às Drªs. Úrsula Martins, Daniela Martins e Inês Táboas, para versar o tema “Coluna do Ginasta: Idade, Flexibilidade e Força. É tudo igual?”. Aos Drs. Pedro Farinha e Diogo Lino Moura confiou o Tema: “Biomecânica e Traumatologia no Judo”. Aos Drs. Renato Vale Ramos, Henrique Costa Sousa e David Sá pediu se ocupassem do tema: “A Radiografia Simples, no Estudo da Anca Dolorosa – Ênfase na Avaliação do Conflito Femoroacetabular”.
Para o estudo de um “Caso Clínico”, obteve o Dr. Basil Ribeiro o contributo dos Drs. André Varandas Borges. João Cunha e Inês Machado Vaz, em oportuníssimo estudo sobre a “Fibromatose Plantar”, descrita, pela vez primeira, por George Lederhose, em 1897. O Dr. Basil Ribeiro aproveitou o raro ensejo de presentear-nos com um artigo sobre “O Leite Achocolatado”, levantando a questão seguinte: “Mas é o leite achocolatado o responsável pelo número, cada vez maior, de crianças obesas?”. No entender do sábio articulista, o leite achocolatado é uma boa bebida de recuperação, após um treino, ou um jogo: tem água, tem energia e tem proteína, os quais são constituintes fundamentais, para a recuperação muscular, após o esforço (…). O problema é sempre a ingestão desenquadrada, fora do contexto e em quantidade excessiva”. Com o objetivo de promover novas ideias e novas pesquisas, na Medicina Desportiva, o médico oftalmologista, Dr. Miguel Sousa Neves, compendiou, na rubrica “Urgência Clínica”, muitas das suas reflexões sobre a sua prática clínica acerca de “O olho vermelho agudo: uma abordagem simples e prática”. Mas o Dr. Basil Ribeiro faz-nos comungar nos seus entusiasmos e partilhar dos seus estudos, com um artigo da sua autoria, intitulado: “São mesmo necessários 10 000 passos, por dia?”. E, após oportunos esclarecimentos a este respeito, assim precisa o que pretende dizer: “Basta agora caminharmos mais e divulgar esta mensagem – caminhar é barato, fácil, dá saúde e… faz morrer mais tarde!”. Deverá destacar-se ainda um artigo do Doutor Ovídio Costa, eminente cardiologista, sobre as mortes súbitas, em plena actividade desportiva, designadamente em atletas que sofrem enfartes do miocárdio. E um outro, do Dr. Júlio Costa, sobre “O Tempo de acordar: monitorização do sono em atletas femininas”. E, depois desta leitura superficial da Revista de Medicina Desportiva informa (Ano 10, número 05) assentemos neste ponto nodal: esta revista foi criada por um médico, que vive e teoriza, como poucos, a Medicina Desportiva. E com uma sabedoria que dimana de conhecimentos de raiz, nutridos no quotidiano de uma prática de muitos anos. Com esta revista, o Dr. Basil Ribeiro é um dos nomes de maior relevo, no vasto panorama do desporto nacional."
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