"Antes de vir para o Benfica (e de se falar no seu rapto) os portistas tentaram-no; Nas Antas, o primeiro suplício
1. Aos 15 anos em turista acidental desafiou-o a ir de Lourenço Marques para a Juventus: «Depois surgiu o Belenenses. Treinado por Otto Glória foram a Moçambique fazer um torneio, quiseram-me: davam 110 contos. E aí apareceu o FC Porto a dar 150...»
2. Nesse torneio esteve a Ferroviária de Araraquara, treinada por José Carlos Bauer que no São Paulo fora treinado por Guttmann. Mandou telegrama a perguntar se valia a pena tentar levá-lo para o Brasil. Não lhe responderam. Ao passar por Lisboa, falou dele num fervor tão entusiasmando que Guttmann suplicou ao seu presidente que pagasse o que fosse preciso para o ir buscar - e o Benfica entregou 250 contos (que em valores actualizados andariam hoje pelos 91530 euros) a Elisa Anissabene, a mãe.
3. Com ele em Lisboa, o Sporting, tentou desviá-lo para Alvalade. Ao sabê-lo Domingos Claudino levou-o secretamente para o Algarve para o «afastar de mais tentações». Para os sportinguistas foi rapto, para ele não. Em Abril de 1961 o FC Porto ainda voltou à carga, declarando-se «interessado na contratação», a mãe manteve-se intransigente, ele também: «Ou o Benfica ou nada»! E a 13 de Maio, recebendo cheque de 400 contos, o Sporting de Lourenço Marques deu, enfim, a sua «carta de desobrigação».
4. Em 15 épocas na Luz, só lá perdeu 8 jogos oficiais. O primeiro, a 18 de Novembro de 1962, perdeu-o para o FC Porto: 1-2. Foi dele o golo. (Ao chegar, Águas logo lhe percebera o destino: «Por mais que chute, nunca chuta a mais. Todos nós, campeões europeus, estamos ameaçados por ele, é melhor do que qualquer de nós que estamos no Benfica. Não tenho palavras que o definam, é tudo o que de melhor se pode imaginar...»
5. Nas Antas, sete derrotas sofreu. A primeira na primeira vez em que lá jogou, em finais de 1961: 1-2. Andava já atormentado pelo joelho, foi pela primeira vez injectado para poder jogar contra os portistas que andavam na luta pelo título - deixou o campo a coxear, uma semana depois tiveram de o operar no menisco. Ao sair do recobro, murmurou: «Quero é jogar depressa e que o joelho nunca mais me chateie». Chateou, muitas, muitas outras vezes.
6. Na sua ficha clínica no Benfica há registo de «40 baixas por lesão» só entre 1964 e 1974 - o ano da sexta operação ao joelho esquerdo, o ano em que ele voltou esquerdo, o ano em que ele voltou a perder com o FC Porto na Luz (o golo portista foi Cubillas, de pénalti), a época do seu último título (e do adeus ao Benfica).
7. Américo, que ganhara a baliza do FC Porto a Acúrsio - afirmava-o, orgulhoso: «A mim, nunca me marcou um golo isolado». Chamavam Guarda-Redes Suicida pelo modo valente com que se atirava aos pés dos avançados: «Não sei de onde veio a alcunha. Tive muitas. Primeiro era o suicida, depois as mãos não sei quê, depois o homem que tinha uma vaca em casa que tirava o leite para ter a sorte que tinha - e não, não era sorte»...
8. Só ao Américo marcou 17 golos, vários foram de livres, a 20, 30 metros. E sobre os livres que eram a sua arma nuclear, ele próprio o contou: «Pegava na bola, baixava-me, tirava as medidas à barreira e às vezes dizia para quem estivesse ao meu lado: Está ali o buraco, estás a ver?! Diziam-me quase sempre que não, não estavam a ver buraco nenhum - mas eu estava e respondia-lhe: Deixa estar, vou marcar directo. Se era golo, era sagrado: riam-se e diziam-me: tu és tramado, tu consegues ver buraco onde mais ninguém vê e melhor: consegues meter a bola dentro por lá...»
9. Na única final de Taça entre ele e o FC Porto, na baliza estava o... Américo. Foi em Julho de 1964 - e o Benfica venceu por 6-2. O único golo que lhe marcou foi de pénalti - o que levou a sururu e a que Rosa Nunes pedisse à polícia que retirasse Jaime do campo, por ele se recusar a sair de lá. E sim: esse foi o jogo que pôs o Américo a contá-lo, anos depois, deliciado: «Essa final foi um escândalo! A partir de certa altura passámos a insultar o árbitro de tudo. Primeiro lá dentro do campo, perguntado-lhe se não tinha vergonha na cara de estar a arbitrar daquela maneira - e depois na tribuna à frente do presidente da República, o mesmo lhe dissemos. Comprometido, no campo, não fora capaz de expulsar mais nenhum de nós». Ao ouvi-lo, ele disse o que dissera vezes sem conta: «Enquanto eu joguei no Benfica, o FC Porto nuca foi campeão...»"
António Simões, in A Bola
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