"A lei é para ser cumprida mas a lei, qualquer lei, ao ser aplicada, deve compreender um quadro analítico em que se pesam atenuantes, agravantes e históricos, a que se adiciona uma pitada de bom senso.
Durante quase toda a existência da prática do Rugby em Portugal, os jogadores eram-no porque os seus pais, irmãos, primos ou amigos, o tinham sido. A assistência – com a excepção do Benfica, em dia de jogos de futebol – eram esses familiares e amigos. Ex-jogadores, portanto. Se Twickenham enche com 90.000 pessoas, serve álcool e aquilo tudo é uma festa, é porque esses 90.000 jogaram o desporto. Existe, portanto, uma cultura e uma tradição que sabe separar o trigo do joio. Em Portugal também assim o era.
Os presidentes da Federação Portuguesa de Rugby (FPF), no meu tempo, tinham sido jogadores, alguns deles internacionais de gabarito. Como ex-jogadores tinham o conhecimento para agir com bom senso e de acordo com a sua própria experiência. No entanto, algo mudou. E começou por mudar no país, assim que o dinheiro da Europa começou a chegar. Com a sistemática falta de estratégia e com a proverbial saloiice portuguesa, o país abalou que nem um doido, para a construção de complexos desportivos em tudo o que é vilarejo, em vez de se criarem polos que servissem vários centros. Em Portugal, na altura, o Rugby existia em Lisboa (+Évora), Porto (+ Arcos) e Coimbra (+ Lousã).
Com o país cheio de complexos desportivos ao abandono, começaram a aparecer clubes de Rugby na província. Clubes esses sem massa crítica, sem quadros técnicos. Passo seguinte à sua criação? Reclamar o assento na Assembleia Geral da FPF, ganhar peso eleitoral (sendo que alguns deles não passam de realidades virtuais…) afim de poderem ter direito a uma fatia do bolo, leia-se do orçamento. Quid pro quo, dão o seu voto a quem os mantenha a viver numa realidade ficcional, pouco se importando se os dirigentes a eleger, jogaram, ou não, se percebem do assunto, ou não. Se der para continuar a fingir que o Rugby existe no interior e para continuarem a receber uns subsídios quer da FPF, quer das autarquias, está tudo ok.
No que respeita aos incidentes do último Agronomia-Direito há que, em 1º lugar, fazer a distinção entre os acontecimentos dentro do campo e os fora dele. Os de fora, não tendo sido mais do que o vídeo que por aí correu demonstra, foram lamentáveis e devem ser punidos exemplarmente. Uma questão: já foram abertos inquéritos disciplinares? Estão os elementos identificados e proibidos de entrar nas instalações dos respectivos clubes? Esse era um bom exemplo que Direito e Agronomia podiam já ter dado.
Quanto aos acontecimentos dentro de campo, não foram nada que já não tivesse acontecido, o que não quer dizer que não sejam – felizmente – excepções. Eu próprio participei em jogos que acabaram antes de tempo, tendo o assunto morrido onde começou, dentro de campo. Isso significa que não deve existir punição? Claro que não. Que tudo se resolve na 3ª parte, tipo marialva? Não e não. Mas não existem factores atenuantes? Sim, a começar pelo facto de o jogo ter sido arbitrado por um voluntário, que lhe calhou a fava. Para uma meia-final de campeonato, com a rivalidade existente, num desporto de contacto físico constante e, por vezes, violento, digamos que foi uma decisão amadora e muito pouco inteligente, por parte da FPF, para solucionar as ausências – por protesto – dos árbitros oficiais.
Na sequência dos tristes incidentes, decidiu a direcção da FPF fazer deste caso um exemplo para o desporto nacional, e aplicou a pena de falta de comparência, despromovendo à 3ª divisão (onde estão os tais clubes virtuais) quer a Agronomia, quer o Direito. A lei é para ser cumprida, dir-se-á. E é óbvio que sim. Mas, a lei, qualquer lei, ao ser aplicada, deve compreender um quadro analítico em que se pesam atenuantes, agravantes e históricos, aos quais se adiciona uma pitada de bom senso. Neste caso, tudo isso foi ignorado em prol do exemplo (ou de ser notícia…).
O que eu gostava de saber é quem vai ser responsabilizado pelas graves lesões que vão acontecer (não é um suponhamos, é uma certeza) quando atletas da selecção nacional, alguns deles profissionais, defrontarem os pobres coitados que se reúnem ao fim de semana, no complexo desportivo que está vazio de segunda a sexta, para darem uns pontapés numa bola com o único intuito de abrir o apetite para o churrasco. Provavelmente vamos assistir a uma chuva de faltas de comparência – verdadeiras – nos jogos com Direito e Agronomia. Vai ser um exemplo, mas mau."
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