"Não existe nos livros das Leis de Jogo. Nem nesse nem noutro qualquer. Digo eu.
Mas ter a capacidade de gerir momentos e situações com inteligência emocional e sensibilidade (sem ferir as regras, obviamente) é algo que qualquer árbitro de elite devia saber fazer.
Por isso, vamos hoje dar por terminada a nossa viagem pelas leis de jogo, com aquela que muitos chamam, virtualmente, de décima oitava: a Lei do Bom Senso.
Dizem os entendidos que o bom senso é um conceito que alia sabedoria a razoabilidade.
Que é a capacidade que uma pessoa tem (ou devia ter) de aliar normas à realidade, ponderando as suas consequências, de forma a fazer as melhores escolhas possíveis.
O bom senso é sensatez. E, como dizia Aristoteles, é "o elemento central da conduta ética".
Eu? Eu concordo inteiramente.
No futebol, em geral, como na arbitragem em particular, ter bom senso é meio caminho andado para ser bem aceite. Para ser respeitado. Para ter credibilidade. Para ser admirado.
Ainda que no erro. Ainda que na falha. Ainda que num jogo péssimo ou num dia mau.
Um árbitro que saiba todas as leis de jogo, que tenha memorizado todas as instruções e decorado todas as conclusões de cursos é apenas um aluno de mérito em final de curso. Um produto potencial.
Um teórico de qualidade que precisa depois do mais importante. Prática. Jogos. Minutos. Quilómetros. Experiência. Vivências. Rotinas.
No nosso meio, chamamos a esses os "apitadores".
Os que levam o livro das regras por baixo do braço e desfilam em campo rigor teórico, quando em campo o mais importante está bem acima de qualquer norma escrita.
Em campo estão pessoas, homens, sentimentos, personalidades, sensações, rivalidades. Todos com objectivos opostos, com motivações distintas, com características completamente diferentes.
Para um árbitro, ter bom senso é saber que se ganha o jogo bem antes dele começar. Logo quando entramos no estádio. Na forma como nos apresentamos. Como conversamos com os vários intervenientes. Como reagimos a adversidades. Como nos posicionamos perante elas. Como nos explicamos.
Como ultrapassamos problemas. Sem conflito. Sem arrogância. Sem prepotência. Com carácter. Com humildade. Com espírito de cooperação. Com inteligência emocional.
Para um árbitro, ter bom senso é ser consistente. Sempre. A toda a hora. Tratar todos por igual, em qualquer jogo, em qualquer estádio, em qualquer competição.
É estar em campo e saber ser preventivo. É falar calmamente com o jogador mais exaltado. É usar de maior autoridade com o mais atrevido. É saber ouvi-los. É perceber que estão sujeitos a uma pressão tremenda e a um enorme desgaste físico. É respeitá-los por isso. Para obter o seu respeito também.
Para um árbitro, ter bom senso é saber pôr gelo quando as coisas aquecem e saber dar um pouco de calor esfriam.
É saber virar as costas, com subtileza, quando a situação o justifica. É saber enfrentar, olhos nos olhos e de cara feia, quando o momento o exige.
É apitar leve no que é irrelevante e forte no que é grave.
É saber usar a linguagem corporal como um fortíssimo meio de comunicação: com jogadores, técnicos e até com o exterior.
Ter bom senso é ser equilibrado nos piores momentos. É ser pacificador quando a pacificidade é a resposta. É ser justo.
É saber do jogo. Saber muito do jogo. É conhecer as pessoas. É saber sentir o pulso a todos e ao ambiente que o rodeia.
É saber evitar conflitos e saber não comprar problemas. É saber enfrentá-los de peito firme quando enfrentá-los de peito firme é a única solução.
É ter coragem quando se exige que tenha.
E é ter sempre a cabeça bem levantada na certeza que qualquer erro que cometa, maior ou menor, mais ou menos mediático, jamais afectará a sua imagem. A imagem que o universo do futebol tem de si enquanto ser humano. Enquanto pessoa. Enquanto homem.
Tal como no pós-vida académica, este é outro curso. São lições de vida. Que se aprende lá dentro, aos poucos. Que se aprende com inteligência e sensibilidade.
Sendo aplicado com mestria (entenda-se sem nunca beliscar as regras), o bom senso é o que define um árbitro mediano de um árbitro de eleição. Na bola como na vida, é a solução para quase tudo. De quase todos.
É, de longe, a mais importante de todas as leis de jogo. Porque se aplica em cada um. Foi um prazer viajar convosco nas últimas dezoito semanas.
Até à próxima..."
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