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domingo, 28 de junho de 2015

As doces lágrimas de Telma Monteiro

A menina loura e de ar um pouco azougado subiu ao lugar mais alto do pódio, em Baku, viu a bandeira, ouviu os primeiros acordes da Portuguesa e deixou cair as lágrimas. Primeiro, com a coragem de as mostrar, depois eram demasiadas e sentiu pudor perante o mundo. Muita gente terá ficado admirada porque, afinal, se tratava de uma lutadora impiedosa, uma especialista no derrube dos outros, uma exterminadora implacável que, momentos antes, se mostrara felina e indomável na sua ânsia de vencer sobre a outra, uma húngara um tanto assustada e desamparada na sua derrota.
As lágrimas de Telma pareciam, mais, estranhas e quase inexplicáveis. Mas, a menina desceu do pódio com as suas medalhas de conquistadora suprema ao pescoço e explicou que tinha de desabafar depois de toda a pressão de dias e dias de trabalho, de sacrifício, de solidão, enfim, compensada.
Talvez os portugueses, pouco dados a entender a realidade desportiva além e aquém futebol, não tivessem ainda dado conta de que Portugal tem milhares de jovens, como a Telma, a treinarem-se diariamente na solidão dos seus sonhos, longe da ribalta das televisões, dos microfones das rádios, dos gravadores dos jornalistas.
Os melhores, os que da lei da vulgaridade se libertam e chegam, por méritos próprios, às grandes competições internacionais descobrem, com espanto, um outro universo. Entram, muitas vezes sem estarem preparados para isso, num mundo de fantasia que parece importar-se verdadeiramente com eles, que lhes seguem os passos, que querem saber de suas vidas, seus amores, suas vontades. Tratam os grandes sucessos como feitos nacionais, elegem rainhas e reis adorados pelo povo, mas lidam com as derrotas sem contemplações, com a espada apontada à humilhação dos falhados desta civilização estúpida e cruel.
É por isso que só aqueles que lá andam, que trabalham horas e horas a fio na ânsia da superação do corpo e da alma, no sonho do sucesso nessa área amada e odiada que é o desporto, melhor compreendem as doces lágrimas de Telma.
O grande António Gedeão saberia explicar que não se tratava, apenas, de água e cloreto de sódio: mas de uma substância humana, muito mais complexa, que mistura uma razoável quantidade de alma com outra parte significativa de suor do corpo.
A questão à qual a filosofia, a matemática, a medicina, a antropologia ainda não souberam responder é porquê? Por que razão um homem ou uma mulher gasta os melhores anos da sua juventude numa luta constante com o seu corpo, com a sua alma, perseguindo um sonho que ao comum dos mortais parece apenas a utopia de se querer chegar ao pote de ouro na ponta de um arco íris.
Ninguém alguma vez respondeu a esse porquê. No fundo, ninguém respondeu à maioria das perguntas importantes da existência e do comportamento humano.
Ninguém pode responder ao verdadeiro porquê das lágrimas de Telma. Apenas se pode dizer que emocionaram Portugal, que nos lembrou, a nós, portugueses, que não temos de saber responder a todas as perguntas para sermos felizes e para mostrarmos que vale a pena fazer bem o que nos decidimos a fazer.
Nos Jogos Olímpicos de Londres eu vi a Telma perder o seu maior sonho, logo no primeiro combate. Lembro-me bem que não chorou e recordo, em elogio, a sua dignidade. Ela sabia, como sabem os grandes campeões, que há derrotas que são necessárias para se chegar às vitórias. Espero que, no Rio, a Telma volte a chorar. Ela merece. Mesmo que Portugal não saiba merecer os seus campeões.

Vítor Serpa, in jornal A Bola

3 comentários:

  1. Para mim a maior atleta e pra ser perfeita só falta a medalha olimpica.

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  2. Para mim a maior atleta e pra ser perfeita só falta a medalha olimpica.

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  3. fala o director de um pasquim que zero liga ao judo

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