Últimas indefectivações

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

João V. Pinto e Balakov, os melhores que vi nos dérbis


"A noite de João Vieira Pinto em Alvalade, a 14 de maio de 1994 (3-6), devia estar embalsamada e em exposição permanente no Louvre. De preferência, com as janelas reforçadas e os alarmes em pleno funcionamento.
Se há perfeição no mundo do futebol, e há, esse hat trick de JVP no dérbi eterno é a sua evidência metafísica.
No cenáculo dos monstros sagrados, o pequeno avançado de 170 metros, bicampeão mundial de sub20 e Menino de Ouro, tem para mim reserva eternizada. Ao centro da mesa.
Um génio irritantemente desvalorizado, talvez pela absurda heresia protagonizada no escaldante verão de 2000. Para os mais esquecidos, o homem que levou o Benfica ao colo nas trincheiras enlameadas do Vietname da Luz, atravessou a Segunda Circular sem olhar e assinou pelo eterno rival.
JVP às riscas verdes e brancas, horizontais? O drama, a tragédia, o horror, uma traição à catequese benfiquista, uma provocação monumental à adoração recebida oito épocas a fio (308 jogos, 88 golos) da relva ao Terceiro Anel.
Num dos piores Benficas de sempre, o dom de JVP passou a ser um estorvo, um tipo de smoking e tramelo num balneário de operários esfarrapados, de enjoativa vulgaridade. Acabou empurrado, convidado a seguir outro caminho. E ele seguiu o mais atrevido.
«Gosto de me sentir útil e neste momento já não o era, uma vez que o treinador [Heynckes] prescindiu dos meus serviços. Só hoje Vale e Azevedo [presidente] falou comigo e disse-me que o treinador não contava comigo, que só me ia pôr a jogar em jogos muito difíceis, em que não pudesse corresponder.»
O apogeu do absurdo num Benfica sem rei e ainda menos roque. JVP partiu para o Euro2000 sem clube e disponível para amar. Escolheu o Sporting e nos leões formou irrepetível dupla com o supra-goleador Mário Jardel.
Porquê João Vieira Pinto num texto de 2025? Porque o portuense foi o melhor futebolista, o executante mais imprevisível, que alguma vez vi a usurpar os dérbis de Lisboa.
Insisto: só a ferida aberta deixada na Luz, por responsabilidade alheia, pode explicar a ausência de João Vieira Pinto nas listas do crème de la crème do nosso futebol, do lote de monumentais jogadores nacionais.
Pequeno em altura, gigante no tratamento da bola e do jogo. Sabem quantos dos 23 golos pela Seleção Nacional foram feitos de cabeça? 12.
Um deles nas barbas dos calmeirões de Inglaterra, naquela reviravolta existencial em Eindhoven (2-3), afronta aos relatos de tanta pancada infligida por ordens de Sua Majestade.
Nos meus dérbis - e já ameaço chegar à centena -, há outro herói, outro prodígio: Krasimir Balakov, o búlgaro que de 1990 a 1995 redefiniu o sinónimo de sofrimento em Alvalade: perder, sim, mas com a nobreza do mais belo futebol, sem simulacros de pancadaria ou rasto de fealdade.
Inesquecível permanece «o golo que ninguém viu» a Silvino, no primeiro minuto do dérbi disputado a 17 de outubro de 1992 (2-0). Atrás da cortina de fumo, um míssil made in Valiko Tarnovo, a cidade natal de Bala.
Balakov foi o engenheiro e o arquiteto das obras-primas idealizadas por Carlos Queiroz e Bobby Robson, aparentemente condenadas ao sucesso, tal a multiplicação de craques por metro quadrado: Figo, Peixe, Juskowiak, Cherbakov, Valckx, Luisinho, Amunike…
O pé esquerdo do búlgaro partiu para Estugarda a meio da década de 90, farto da teoria do quase e da supremacia de Benfica e FC Porto. Ganhou só uma Taça de Portugal de leão ao peito. Isto sim, uma heresia.
Krasimir aliava uma rara capacidade de remate (60 golos em 168 jogos), violenta, ao paradoxo da meiguice no trato da bola, uma suavidade levada ao extremo do cuidado.
Extremoso no passe, picuinhas, exigia a certeza milimétrica e a entrega a tempo e horas. Abominava a rudeza, os maus fígados, os colegas de convicção mais animal.
Krasimir Balakov era um esteta, João Vieira Pinto um virtuoso. Os melhores intérpretes de Sporting e Benfica nos meus dérbis eternos.

PS: João Vieira Pinto vestiu em 447 jogos as camisolas de Benfica (1992 a 2000) e Sporting (2000 a 2004). Recordista. Rui Jordão é o segundo nesta tabela e surge bastante atrás, com 408 partidas oficiais. Durante 12 temporadas, assistir a um Benfica-Sporting era a certeza de uma sessão bem passada a acompanhar o bailado de JVP. A fuga às entradas violentas, a agilidade, o romance permanente com o golo."

Sem comentários:

Enviar um comentário

A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!