"Os momentos partilháveis, vistos à lupa de uma sociedade de expressão performativa nas redes sociais, constituem um valor tremendo para uma marca como o Benfica
Ontem li um texto muito pertinente de José Manuel Delgado na edição diária d’A BOLA. Fala-nos da importância da experiência de estádio e de como o valor dessa experiência pode ser capitalizado pelos clubes que saibam agarrar esta oportunidade. José Manuel Delgado aborda essencialmente a experiência do estádio, lembrando que essa há muito deixou de ser apenas o que acontece ali dentro, sem contacto com o mundo exterior.
Mas comecemos pelo início. A procura registada para o Red Pass é motivo de orgulho para os Benfiquistas e um reflexo da grandeza do clube e da sua massa associativa. Clubismos à parte, qualquer adepto de futebol que tenha alguma noção da realidade dos clubes e da realidade sócio-económica do país, será obrigado a constatar que, em termos de força bruta dos números, existe um clube em Portugal e depois há os restantes. Não é nada que não se soubesse, mas é um pouco como o voo da águia Vitória e o hino: nunca deixa de impressionar. Como se isto não bastasse, a longa lista de espera, já a rondar os 20 mil sócios, só vem reforçar esta ideia. Também acredito que cause frustração a muitos dos que sabem que não vão ter lugar cativo no estádio, pelo menos num futuro próximo. É uma pena que o Benfica não tenha lugares para todos, mas até aqui há oportunidades de comunicação. O que prevê o clube para quem pagou 50€ por um lugar nessa lista de espera? Seria positivo que, para além do dinheiro em carteira, se pudesse pensar num conteúdo personalizado para estes milhares de adeptos como forma de diminuir a tristeza por não terem conseguido um lugar.
Este tema não cabe nos 5 mil caracteres que me são disponibilizados, mas o facto é que, como explica José Manuel Delgado, aquilo que acontece hoje num estádio de futebol tem uma nova dimensão que extravasa o jogo jogado e acima de tudo o perímetro físico do estádio. Por muito que os adeptos da minha idade coloquem no topo das suas recordações os jogos em que jogámos melhor e marcamos mais golos, a dimensão experiencial, em particular vivida pelas novas gerações, não se fica por aí. Como tal, parece-me que existe ainda hoje um défice de aproveitamento na experiência de estádio. O Benfica, sempre na liderança destas tendências a nível nacional, deve trabalhar para multiplicar os momentos vividos dentro do estádio que geram mais experiências memoráveis e, como tal, multiplicam os conteúdos criados em torno da presença física no local.
Há que pensar também em como se pode modernizar o próprio estádio, que hoje proporciona uma experiência relativamente pobre em que por vezes as coisas mais simples parecem falhar, por muito que aspectos como o investimento na iluminação led e um acesso wi-fi, ainda que instável, tenham melhorado a experiência de consumo de conteúdos e contribuído para mais momentos partilháveis. Ainda assim, fazem-se as contas e não é fácil por vezes utilizar uma casa de banho ou ir a um bar durante o intervalo, sendo a gama de produtos oferecidos bastante pobre quando comparamos com outras experiências de estádio na Europa ou nos EUA, por exemplo. Também não me parece normal que em 2024 continuemos a achar normal a proibição de venda de álcool num estádio de um clube patrocinado por uma marca de cerveja. Bem sei que não é o meu clube que determinará sozinho a regulamentação existente sobre o tema, mas deve fazer os possíveis para mudar esta situação. Não me parece concebível que esta medida se mantenha por muito mais tempo. Aliás, apelo desde já aos próximos candidatos à Liga de clubes e à FPF para que pensem seriamente sobre este tema, sem as lentes que contribuem para uma certa infantilização do adepto, mas antes comparando a nossa realidade com a de muitos outros países iguais a nós, para os quais este é um não-tema e, como se compreende, uma oportunidade de rentabilização financeira e comunicacional de cada evento desportivo.
Os momentos partilháveis, vistos à lupa de uma sociedade de expressão performativa nas redes sociais, constituem um valor tremendo para uma marca como o Benfica. Haverá oportunidade de falar sobre o que isto significa no contexto daquilo que acontece fora do estádio, nomeadamente nas redes sociais, onde as oportunidades para o Benfica continuam a ser mais que muitas e, não obstante o bom trabalho realizado, merecem uma reflexão ambiciosa. Mas, mantendo o foco na experiência de estádio, como explicar por exemplo que não se faça mais para estimular a interação entre os adeptos e as dezenas de câmaras no estádio? Isso tanto pode ser feito com base no clubismo puro e no amor à camisola demonstrado por alguém que tem uma câmara apontada para si (o que já acontece em alguns momentos), como pode ser incentivado por via de mecânicas de passatempo e momentos que passam a repetir-se em cada jogo. A Kiss Cam, momento tradicional da NBA em que dois adeptos do clube são convidados a beijarem-se, existe há décadas e continua a funcionar. O mesmo acontece com momentos em que o adepto é convidado a dançar. Ou, porque não, vincular o evento desportivo a promoções ativadas e disponibilizadas em primeira mão aos adeptos presentes sempre que alguém marca um golo? O que nos impede de apresentar memes nos ecrãs ao intervalo ou durante os jogos e tentar tornar o Benfica um clube com uma cultura de internet acima da média? Ou, por exemplo: bem sei que existe a fan zone, mas parece-me que poderia beneficiar muito de uma versão 2.0 ou 3.0. O que pode ser feito para criar mais eventos dentro do evento principal e aproveitar as longas horas que os adeptos passam de bom grado no estádio ou nas imediações? Como podemos considerar o uso de realidade virtual no contexto do estádio, tanto na fan zone como no interior, mesmo em dia de jogo? Ou como explicar que os momentos de pré-jogo e intervalo não sejam mais ricos e mais potenciadores de experiências interativas? Por que não disponibilizar acesso a conteúdo exclusivo no estádio, mediante o wi-fi ou a app oficial do clube cruzada com georeferenciação? O que podemos fazer para melhorar a experiência de segundo ecrã, cruzando a tecnologia hoje disponível e a capacidade de monitorização de cada nanosegundo de atividade dentro de campo? Nunca o desporto viveu tanto do cruzamento entre aquilo que se vê e a análise estatística disponibilizada no imediato. Se permite às casas de apostas afinarem as suas odds, será que não permitem ao clube utilizar isso para gerar mais conteúdo? Não me parece prudente esperar que toda a gente consiga ir à casa de banho ou se entretenha a olhar para o seu telefone, num scroll interminável, enquanto a segunda parte do jogo não começa, até porque o nosso valor acrescentado aí tem margem para melhorar.
Percebo que se possa ver em muitas destas sugestões uma certa americanização da experiência futebolística, e admito que sou influenciado por isso, apenas porque sinto que a experiência de estádio americana e de alguns países europeus é fundamentalmente melhor em todos os aspectos. E estou convicto de que será a experiência dominante em todos os recintos desportivos de referência, dentro de pouco tempo. Certo, nem tudo será propício a uma adaptação portuguesa no contexto de um estádio de futebol em 2024 (as cheerleaders são uma coisa datada, por exemplo). Mas há muito que se pode fazer para propiciar mais momentos que as pessoas recordam, sem ignorar que o jogo jogado em determinado momento irá ditar o sucesso destas iniciativas, mas assegurando que a experiência do estádio não é sempre mais do mesmo, mas antes uma cereja no topo do bolo que foi ter acesso a um estádio tão desejado por tantos adeptos, tornando a recompensa mais memorável devido ao esforço financeiro que esses mesmos adeptos fizeram. Podemos sempre confiar que a bola entra e que isso é suficiente para continuar a esgotar os lugares anuais, mas nunca me pareceu boa ideia dormir à sombra da bananeira. Os adeptos vão exigir mais e têm motivos para isso. É nesse mundo que vivem hoje."
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