"As batalhas que deflagram em 120X90m de relva têm nos seus simbólicos tiros momentos de consolação. Entre os limites do retângulo verde deixam-se suor e lágrimas. Não sangue. Nunca sangue. Um avançado não tem balas nas pontas das botas – na pior das hipóteses, tem pés de chumbo – e, quando resiste às forças que o retraem, a explosão é de alegria, esse sentimento semeado pelo golo como um cravo que brota.
A causa vem antes do conflito no dicionário do futebol e na revolução. Sem precisar de infligir dor, mas logrando pacificamente o objetivo de chegar à final da Taça de Portugal, o FC Porto derrubou o Vitória SC e apurou-se para o jogo que pode servir de consolo à inconstante época azul e branca. No Jamor, perfilado ao lado dos dragões vai estar o Sporting que, se as contas baterem certo, será já campeão nessa altura. Este ano, a final da Taça de Portugal vai-se jogar só em maio, mas há mais Abril nela do que se possa pensar.
Em 1969, o Jamor foi o raio de sol que antecedeu a madrugada que Sophia de Mello Breyner esperava. A Académica e o Benfica disputavam o troféu em pleno Estádio Nacional. Diga-se que para o regime ditatorial até então vigente foi um grande problema que a Briosa tivesse chegado à final. Estava em curso a crise estudantil espoletada quando foi rejeitado o pedido de Alberto Martins, presidente da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra, para expor as reivindicações dos estudantes junto de Américo Thomaz, Presidente da República, durante a inauguração do Edifício das Matemáticas da Universidade.
“Viva a liberdade!”. Os estudantes levaram para a final da Taça de Portugal palavras de ordem escritas em tarjas que fizeram circular pelas bancadas para que não fossem apreendidas. Dentro dos tais 120X90m, um lendário Benfica encabeçado por Eusébio venceu no prolongamento (2-1). Venceu o jogo. Fora do campo, foi a Académica e a sua massa adepta que deu um abanão no regime forçado a impedir que a RTP transmitisse o encontro.
A Académica pode ter vencido noutros aspetos, mas ficou sem troféu. No entanto, este sábado, a história agradeceu 1974 à Briosa. No jogo da fase de subida da Liga 3, os estudantes, que se vestem com um cravo na camisola, receberam o Lusitânia de Lourosa no Estádio Cidade de Coimbra e, no intervalo do festim futebolístico, eles que até têm na sua posse os troféus de 1939 e 2012, puderam aplaudir uma taça que mora num museu alheio. O Benfica emprestou àqueles 15 minutos de interrupção a relíquia de 1969 para que esta fosse contemplada como um símbolo da liberdade mesmo antes da semana em que se comemoram as bodas de ouro da efetivação da mesma.
As histórias da Revolução multiplicam-se. Por exemplo, Acácio Casimiro tem muitas (mesmo muitas) para contar, quer dos seus tempos de jogador, quer como treinador. Hoje com 75 anos, foi o primeiro a marcar dois golos depois do 25 de Abril de 1974. Fê-lo já num país desvinculado da ditadura em que o futebol se assumiu como bastião da liberdade, esse doce sentimento que nos deixa decidir se chutar do meio-campo é uma boa ideia ou não. Só podendo escolher, como aconteceu com Acácio, nascem grandes golos. Há 50 anos que marcámos o melhor de todos."
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