"A dignidade, a simplicidade e a paz de Eriksson perante a morte; um sorriso com mais de 14 anos que não se esquece
Um cinzento metálico cobre uma paisagem idílica de um lago gelado, na outra margem as árvores estão quase despidas e a neve cobre os relvados à frente das poucas casas que conservam uma nobreza sóbria. Há, naquelas imagens, o peso da morte, mas logo virá a primavera, o sol ganhará força, as flores voltarão a exibir-se vaidosas, os pássaros cantarão, as cores recuperarão o brilho. A vida é linda.
É este, em Sunne, Suécia, o local que Sven-Goran Eriksson escolheu para viver os últimos dias. Foi lá que nasceu. Conhecêmo-lo numa reportagem do Channel 4, de Inglaterra, disponível no YouTube há cerca de três semanas. Eriksson abriu a porta a jornalista inglês e abriu o coração com a mais profunda sinceridade. Vale a pena perder quase 17 minutos das nossas vidas para perceber o que vai na cabeça de alguém que conhecemos tão bem e aprendemos a respeitar e que recebeu a sentença de morte quando lhe disseram que a merda do cancro vai derrotá-lo.
Há mais de 14 anos, em março de 2010, tive a felicidade de entrevistar Eriksson. E, hoje, voltando a ler as respostas do treinador quero acreditar ainda mais na sinceridade de cada palavra. Estava quase a completar-se 20 anos da final da Taça dos Campeões Europeus que o Benfica, com Eriksson, perdeu com o Milan. Já não se lembrava da equipa que tinha escolhido, nem se recordou do que disse antes do jogo, mas não foi preciso puxar muito pela memória para reviver o momento em que foi convidado a treinar «o Benfica de Eusébio, Torres ou Coluna», para falar de Bento, Pietra, Humberto Bastos Lopes, Álvaro, José Luís, Carlos Manuel, Chalana, Filipovic ou Nené, para se arrepiar com o «bruuuuuummmm» que faziam mais de 100 mil pessoas na Luz, uma coisa que nunca tinha visto.
Eriksson, quero acreditar ainda mais hoje, falou de coração aberto da amizade com Toni, sorriu com carinho quando ao pensamento dele voltou Neno a cantar músicas de Julio Iglesias, soltou uma gargalhada ao confirmar que o brasileiro Lima tocava violão no balneário, partilhou a admiração pelo génio de Chalana, contou histórias bonitas e feias, resumiu, numa frase tantas vezes batida, que o Benfica é especial. Talvez hoje, na Luz, quando o Benfica e os benfiquistas lhe prestarem homenagem possa viver tudo isso outra vez, possa sentir-se bem.
Acabou a conversa a partilhar o orgulho que tem pelos filhos e a manifestar a esperança que também os filhos tenham no pai.
Voltando à entrevista para o Channel 4, Eriksson diz que, agora, dá valor ao acordar de manhã, que isso mudou na vida dele, que aprendeu a viver com o diagnóstico maldito e que não pensa no dia de amanhã, nem no seguinte. Não quer sentir pena de si próprio e não falo muito da merda do cancro. «É o que é, provavelmente não consigo vencê-lo. De qualquer forma, a vida é linda», sentenciou.
Não é fácil explicar mas quem está ao lado de Eriksson sente uma aura de dignidade, simplicidade e paz. Talvez Eriksson encontre tudo isso e não o peso da morte naquele cinzento metálico com que se levantou todos os dias no final do inverno. Talvez encontre tudo isso hoje na Luz. O que custa mais a acreditar é que a vida é linda."
Sem comentários:
Enviar um comentário
A opinião de um glorioso indefectível é sempre muito bem vinda.
Junte a sua voz à nossa. Pelo Benfica! Sempre!