"O adeus de Grimaldo à Liga Portuguesa está ao virar da esquina e com ele irá parte da riqueza de uma prova carente, que é como quem diz: fica ainda mais pobre a nossa Liga. Durante esta passagem, o lateral-esquerdo do Sport Lisboa e Benfica cruzou-se com Rui Vitória, Bruno Lage, Nélson Veríssimo, Jorge Jesus e Roger Schmidt, tendo assumido sempre papel de protagonista, fosse por convicção, fosse por falta de opções.
Mesmo quando os trabalhos colectivos não se revelaram atractivos, era mais difícil ficar a imaginar o que é que podia inventar Grimaldo do que assistir, em directo, às suas pinceladas no quadro de um futebol desgarrado. Sim, houve épocas em que acendíamos a televisão para ver jogos do Benfica só pelo fascínio viciante de testemunhar como é que o talento de Grimaldo ia, outra vez, iluminar equipas sem ideias. Era raro defraudar expectativas, porque, embora os contextos adversos lhe destapassem as fragilidades defensivas individuais, as suas acções individuais encobriram fragilidades ofensivas colectivas. As mesmas mãos que gastaram o giz a escrever que Grimaldo não sabia defender nunca se lembraram de completar a frase que acrescentasse que desbloqueou em muitos jogos dentro de equipas que não sabiam atacar.
A sua relação com a bola, com o jogo e com os colegas promovem o argumento de que um lateral moderno não tem obrigatoriamente de ser mais forte a defender do que a atacar. Poderá, claro, ser mais equilibrado do que Grimaldo, cuja auto-suficiência em momento defensivo chegou a ficar aquém do recomendável para a posição. Contudo, não coloco de lado algum desleixo do jogador nessas circunstâncias, ora por estar saturado de ficar exposto, ora por não ter encontrado quem se preocupasse em melhorá-lo ou em “disfarçá-lo”. Hoje, com Roger Schmidt, Grimaldo sente-se mais protegido pela equipa, o que também o levou a caprichar em situações de 1x1, no suporte defensivo e até na impetuosidade colocada nos duelos, ou seja, no que toca a essa debilidade, deixo a natural margem de erro vinculada ao conforto que se atinge quando as dinâmicas colectivas funcionam mais ou menos em prol das características individuais.
É fácil entender que a inteligência que Grimaldo coloca em campo descarta a hipótese de ser um jogador que se deixa convencer por qualquer mensagem, tornando-se desafiante treiná-lo. Nunca, independentemente do treinador, o número 3 do Benfica abdicou daquilo que o define. Aliás, arrisco-me a dizer que a escolha pelo Bayer Leverkusen passou, entre outras coisas, pela percepção do valor que Xabi Alonso dá ao seu perfil, mantendo a esperança lógica de que, ao vincular-se a um técnico com o potencial de Xabi, poderá levá-lo até onde Xabi for capaz de chegar. Talvez a experiência de Grimaldo lhe diga que estará mais próximo do sucesso quanto mais próximo estiver de quem o valoriza - a meu ver, não está enganado.
Tem sido difícil habituar-me à ideia de um Benfica sem Grimaldo, de um campeonato português sem Grimaldo. Perder Grimaldo é como perder um dos bancos de jardim que escolhemos para namorar o futebol de que mais gostamos, assente na graciosidade da execução, no primor técnico, na criatividade, no engano que se aceita, na simplicidade e eficácia das tabelas, na inspiração de quem melhora quem está à sua volta, no talento, que continua a ser o mais importante de todos os predicados.
Se um dia tivesse sido médio, a porta pela qual está a sair seria maior. Em Portugal, Grimaldo viveu à frente de uma geração que olha para os laterais como quem olha para os cavalos de corrida: quanto mais correrem, melhor. Felizmente, tivemos a sorte de contar com um camisola 10 a partir da lateral. Grimaldo foi a nossa pequena revolução."
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