"No seu livro Sociologie du sport, Magnane (1964) adotou diversas atitudes: praticante desportivo, não praticante desportivo, anti-desporto e pró-desporto, demonstrando que o desporto é um fenómeno social que impregna a vida quotidiana dos seres humanos. A prática desportiva, como todas as atividades de lazer, situa-se na parte do não-trabalho, que a expressão “tempo livre” coloca em destaque de forma significativa. Livres das suas obrigações e papéis tradicionais que a sociedade lhes impõe, os indivíduos acedem a uma consciência renovada da sua natureza. É o tempo de liberdade. Como refere Magnane (1964), “é impossível explicar a atração relativamente ao desporto pelo trabalhador moderno se não se tiver em conta o jogo dialético entre as semelhanças e as diferenças da atividade do trabalho e a atividade do lazer” (p. 66). “Trabalhar um movimento” (treino) é uma obra que requer paciência. “Jogo trabalhado ou trabalho jogado”, como sublinha Magnane (1964, p. 63), os treinos desportivos tornam-se rapidamente uma atividade de lazer assídua e intensa. Torna-se numa das principais atitudes do individuo na sociedade, ao mesmo título que a sua atividade profissional. Nos treinos desportivos, os praticantes procuram compensar um trabalho cada vez mais intenso por atividades de lazer com uma intensidade correspondente. O praticante deve operar no seu sistema muscular e nervoso uma transformação, uma aprendizagem que exige atenção, perseverança, uma progressão entre o excesso e a indulgência. Para lutar contra a fadiga do trabalhador, por exemplo, o treino desportivo propõe métodos eficazes. O praticante aprende a negar a fadiga. Nenhum praticante aceita considerar o treino como um jogo. É “trabalho”, pelo menos é o que ouço dizer pelos praticantes e observo num ginásio local. O treino é um conjunto de exercícios metódicos e pacientes. No seu livro, Magnane (1964) relata um episódio interessante, que interessa aqui referir: numa tarde bastante quente, em finais de junho, num treino de judo, um praticante escorria em suor. O praticante era cozinheiro num grande restaurante, onde já transpirava enormemente antes do treino, no exercício da sua profissão. Como Magnane ficou admirado de o ver contente por estar a suar, o praticante reiterou que ele adorava aquilo. Se fosse correr para um estádio, era para se divertir. Ali, no clube, ele ia para trabalhar, mas não era trabalho. No treino, ele se entregava verdadeiramente; era para ele que trabalhava. O que mudava tudo.
No fundo, o que mudava era a liberdade reconquistada. O praticante escapava à alienação que o quadro da sua atividade profissional lhe impunha. O mesmo acontece com alguns praticantes no ginásio que frequento. Eles não vão apenas treinar. Eles vão trabalhar (os músculos, o bem-estar, etc.). “Os ‘sujeitos’ são na realidade agentes actuantes e cognoscentes, dotados de um sentido prático” (Bourdieu, 2001, p. 26). Tal como Bourdieu (2001) exalta, “não podemos apreender a lógica mais profunda do mundo social a não ser mergulhando na particularidade de uma realidade empírica” (p. 4). Vão a um ginásio e observem como os praticantes se entregam ao “trabalho”; talvez mais do que nas suas profissões."
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