"Todos nós estamos familiarizados com crises, sejam elas financeiras ou sociais. A pandemia causada pelo Covid-19 é só mais uma, entre aquelas que já vivemos nas últimas décadas. É verdade que fez alterar as nossas relações sociais e profissionais, e isso só valoriza aqueles que sabem gerir este novo ambiente, quer através de atitudes de um verdadeiro desportista, quer pela agilidade que cada organização demonstra nas suas práticas.
Uma parte das empresas vende produtos, e a sua rentabilidade depende das margens de lucro. No caso do desporto, as organizações desportivas vendem um espectáculo desportivo (um serviço), um dos muitos tipos de entretenimento disponível, em que as pessoas não levam «batatas» (um exemplo) para casa, mas sim emoções da experiência que viveram, memórias de momentos inesquecíveis e que despertaram paixões, alimentando e ou cimentando sentimentos de pertença a um grupo, seja ele do seu clube ou mesmo de uma modalidade (o homem do basquetebol/futebol/andebol, etc.).
As organizações desportivas ficam assim dependentes da realização do evento desportivo para criar laços de afectividade, mas também aquilo que os permite desenvolver a actividade no seu dia a dia, as receitas financeiras. Estas vêm principalmente por via contratos dos direitos de televisão, patrocínios e, em algumas competições e nalgumas equipas, das receitas de bilheteira. A venda de jogadores é uma outra fonte de receitas e a valorização do atleta está dependente da qualidade que demonstra jogo a jogo e isso só pode ser feito se houver jogos, como é claro. A estas rubricas com peso na contabilidade de cada clube, podemos juntar o merchandising e outras fontes de receitas. Podíamos aqui dar exemplos como o do circo ou dos festivais de música. Sem circo e sem música os artistas não ganham dinheiro.
Se por um lado o regresso do desporto pode oferecer momentos de entretenimento e de prazer pessoal neste ambiente de “corona vírus”, sem que os adeptos saiam de casa, é claro para mim que o regresso de qualquer desporto neste momento tem por motivação as suas próprias necessidades financeiras, e o cumprimento ou não dos encargos que assumiu. Sem recursos financeiros os clubes estão condenados a não poderem cumprir os acordos, colocando-se mesmo em situação de sobrevivência.
A pergunta que se coloca é se isto vale a pena. Podemos garantir verdadeiramente a segurança dos atletas, treinadores, árbitros/juízes, fisioterapeutas, médicos, outro pessoal de apoio e adeptos.
Fazendo a pergunta de outra forma: deve o desporto regressar só quando for claramente seguro? E o que é realisticamente seguro ou teoricamente seguro? Qual a fronteira entre estas duas ideias? A resposta às diversas perguntas é complexa e muda de forma de acordo com o ambiente em que cada modalidade é praticada e o estádio de desenvolvimento da pandemia no país.
O futuro das organizações desportivas é tão incerto como sempre foi e sempre será. Tudo depende de como se relaciona com os seus stakeholders e são relevantes ao nível competitivo, mas em especial para a sua tribo de adeptos ou comunidade onde está inserida. Uma coisa é certa, se não acrescenta nada, ninguém sentirá a sua falta.
Este é o tempo de planear novos quadros competitivos, mais curtos no tempo, que tenham por isso menos probabilidades de serem interrompidos por uma eventual segunda vaga, servindo-nos para tal de exemplos que existem em diversas regiões do globo. Precisamos igualmente de novas formas de nos relacionar e comunicar com os nossos stakeholders. Se nos focarmos em manter os nossos adeptos e patrocinadores felizes, podemos sair desta crise com sucesso. Só porque as pessoas sentem falta de ver jogos, sejam eles de que modalidade for, isso não quer dizer que voltem aos recintos desportivos, antes de isso acontecer elas precisam de se sentiram seguras.
Os adeptos vão aos jogos para conviverem, para se entreterem, para ver um espectáculo, se cada adepto ficar preocupado com quem tossiu duas filas acima, que tipo de entretenimento e de convívio podem usufruir?
A normalidade de 2019 não voltará a existir nos próximos tempos. Temos de perceber como operar num mundo onde o COVID-19 existe e está presente.
Se esperarmos por aquilo que todos esperam que aconteça, que é a doença desaparecer, se ela não desaparecer e não planearmos outro tipo de situações, sujeitamo-nos a colocarmo-nos numa situação perigosa."
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