"Para além da experiência e do conhecimento, todo e qualquer gestor tem um estilo de liderança que será sempre marcado pela sua personalidade, a sua instrução e a sua cultura num amplo espectro ético-moral de soluções entre:
(1º) Um estilo de liderança democrático caracterizada por uma gestão partilhada, pessoalizada na partilha do poder, promotora de transparência, de envolvimento e de uma cultura de competência e progresso. Regra geral, gera sucesso pessoal e desenvolvimento social;
(2º) Um estilo de liderança autocrática caracterizada por uma gestão tirânica, pessoalizada no quero, posso e mando, promotora de opacidade, de autoritarismo e de uma cultura de amiguismo e corrupção. Eventualmente, pode gerar sucesso pessoal à custa de subdesenvolvimento social.
A partir do exemplo de Pierre de Coubertin, que imbuiu no Movimento Olímpico (MO) internacional de um espírito democrático, a generalidade das organizações desportivas, sobretudo durante os primeiros três quarteis do século passado, funcionavam numa lógica missionária em que os praticantes, os técnicos e os dirigentes, por vezes assumindo duas ou, até, as três funções, num ambiente hierárquico, corporativo e democrático, dedicavam-se à causa desportiva exclusivamente por amor ao desporto.
Entretanto, a partir dos Jogos Olímpicos de Roma (1960), o dinheiro começou a aparecer, em quantidades cada vez maiores, por via das transmissões televisivas que escancararam as portas aos patrocínios desportivos. Posteriormente, a compressão espácio-temporal provocada pelas novas tecnologias da informação e comunicação, bem como o extraordinário progresso das vias de comunicação, proporcionou ao mundo do desporto fluxos monetários até então inimagináveis. E, Antonio Samaranch, o catalão franquista presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) (de 1980 a 2001), perante a facilidade com que volumes inimagináveis de dinheiro, das mais variadas proveniências, estava a chegar ao COI, proclamou a metáfora “yes to commercialization” que havia de, definitivamente, institucionalizar no desporto uma cultura de negócios, em muitas circunstâncias, de características ético-morais mais do que duvidosas. Quando se altera a lógica económica de uma dada actividade, altera-se a essência da sua própria natureza, bem como a natureza daqueles que a administram. Por isso, bem vistas as coisas, o que Samaranch, com o seu “yes to commercialization”, fez foi matar o espírito de Coubertin desencadeando a mudança de paradigma de um MO gerido de acordo com a lógica pedagógica e humanista de uma economia social, para um MO gerido na lógica comercial e racional de uma economia dos negócios. Ao fazê-lo, abriu o MO a uma dinâmica neomercantilista que, com diferentes consequências, passou a presidir ao desenvolvimento do desporto ao serviço da geoestratégia económica dos países. Por exemplo, hoje, Cristiano Ronaldo é importante não porque, eventualmente, possa ser um exemplo de comportamento desportivo e social para os jovens portugueses. Ele é importante porque faz Portugal ser conhecido lá fora, o que facilita a vida aos empresários, anima e diverte as relações dos políticos e, até, permite ao Presidente da República referir-se ao futebolista a fim de explicar a existência de Portugal a Donald Trump.
O problema é que, se o poder é afrodisíaco, o poder com dinheiro fácil e a rodos, quer directa, quer indirectamente, proveniente dos bolsos dos contribuintes, é muito mais. E, tomando a nuvem por Juno, acometidos por uma esquizofrénica tentação totalitária de concentração de poder e dinheiro, muitos dirigentes, confundindo aquilo que foi a obra-prima do mestre que foi Coubertin com a prima do mestre-de-obras, começaram a gerir as organizações de que eram responsáveis como autênticos oligarcas sem sentirem necessidade de darem satisfações a ninguém. Em consequência, o mundo do desporto assistiu à passagem de um tradicional estilo de liderança sadio e democrático legado por Coubertin, para um estilo autocrático e doentio que, por incompetência das autoridades políticas, está a transmutar o desporto, dos valores do estádio grego, para a selvageria do circo romano. Tratou-se da passagem do lado transparente da gestão para o lado negro da mesma. Max Weber, no livro Ensaios de Sociologia, de uma forma simples, clara e breve descreveu a referida passagem da seguinte maneira: “Em democracia as pessoas escolhem um líder em que confiam. Depois, o líder escolhido diz ‘calem-se e obedeçam-me’ e, a partir daí, as pessoas deixam de ter liberdade para intervir nos assuntos que lhes dizem respeito”. Ora, perante o apelo do poder do dinheiro e de todas as mordomias que dele decorrem em sistemas sem mecanismos de monitoragem e controlo credíveis, muitos dirigentes desportivos, sem qualquer pudor e perante a abulia do poder político, passaram a gerir as organizações como se fossem donos delas. Muitas vezes, são os próprios estatutos a criar as condições para que o surgimento de um Salto Autocrático possa acontecer, assim que o líder se aborreça com um qualquer constrangimento inerente ao processo de gestão democrática em curso. Então, a gestão deixa de ser um instrumento de organização, planeamento, controlo e progresso e passa a ser um instrumento de exercício e consolidação de um poder de características absolutistas. E, assim, surge o dirigente autocrático no seu máximo esplendor.
Infelizmente, hoje, o desporto, nos mais diversos países do mundo e nas mais variadas organizações nacionais e internacionais, está transformado num espaço onde prima a mais completa ausência de democracia uma vez que, muitos dos dirigentes, depois de serem eleitos através de processos de democraticidade, pelo menos, questionável, por motivos de uma profunda incultura e carência de educação democrática, deslumbrados com o poder e o dinheiro disponível, passam a exercer as suas funções impondo as suas ideias, forçando as suas decisões e obrigando ao cumprimento dos procedimentos que mais lhes interessam para a eficácia do exercício do seu poder. E, assim, a liderança desenvolvimentista, de características democráticas promotora de esperança e de futuro legada por Coubertin, deu origem a uma liderança oportunista, instrumentalista, de inútil burocracia, de desilusão e sem quaisquer perspectivas de futuro.
Ora bem, não existe ninguém mais pernicioso para o normal desenvolvimento de uma instituição do que a existência de um líder que, carente de valores democráticos, desejoso de mando absoluto e autoconvencido de uma importância que não tem, depois de desencadear um Salto Autocrático, passa a considerar-se portador de um Desígnio Providencial ao qual, do Presidente da República ao mais simples cidadão, todos têm de se sujeitar. Eles presentam as seguintes características:
1. Vivem subjugados por um fanatismo psicótico de mando. Por isso, vão mudando o seu posicionamento de acordo com o lado de onde sopra o vento construindo a realidade à medida dos seus próprios interesses;
2. Exercem um controlo esquizofrénico sobre a informação instituindo um silêncio sepulcral na organização que chefiam;
3. Afirmam a sua incontida vaidade através de uma pseudo visão estratégica que arvoram em desígnio nacional;
4. Determinam o desígnio nacional (solução final) enquanto pensamento único do rebanho que pretendem apascentar;
5. Arrebanham aqueles que lideram construindo um Círculo de Mediocridade que lhes permite perpetuarem-se agarrado ao poder;
6. Negam-se a aceitar as críticas como um desafio a fim de melhorarem os seus próprios procedimentos;
7. Recusam o confronto com aqueles que consideram inimigos pois temem a comparação directa de ideias, de conhecimentos e de projectos;
8. Negam-se a entrar num sadio confronto de ideias a menos que estejam num ambiente que lhe garanta um estatuto de superior vantagem competitiva;
9. Vivem obcecado pelo facto de o seu brilho poder ser ofuscado por aqueles que lhe estão próximos;
10. Limitam-se a uma gestão por impulsos no domínio da logística, em alternativa aos riscos de um projeto de desenvolvimento a partir das pessoas;
11. Defendem a liberdade de expressão desde que as opiniões não os incomodem, não os perturbem, não os prejudiquem nem agitem a zona de conforto em que vivem instalados;
12. Desencadeiam violência sobre aqueles que imaginam poderem empardecê-los;
13. Processam uma estratégia persecutória sobre aqueles que ousam questionar a sua vontade, as suas decisões e as suas acções;
14. Servem-se da assimetria do poder de que usufruem para, covardemente, sem qualquer emoção e com a máxima frieza, anular aqueles que consideram inimigos;
15. Utilizam o seu poder institucional a fim de perseguirem e prejudicarem os que os criticam;
16. Transformam os críticos numa espécie de Josef K. que, um dia, ao acordar, deu por si acusado de crimes sem substância, sem verdade, sem lógica, sem nexo e sem humanidade;
17. Declaram as críticas que, relativamente à sua gestão, lhes fazem, em graves ofensas institucionais;
18. Servem-se dos Tribunais como se, no século XXI, os Tribunais fossem os sucedâneos das câmaras de tortura da idade média;
19. Movem-se por simples maldade: Na sua ânsia de desforra, acabam por atingir as próprias famílias de quem se atrevem a criticá-los;
20. Afastam todos aqueles que se atrevem a expressar qualquer sugestão com criatividade e competência;
21. Armam-se em vítimas utilizando os argumentos daqueles que os criticam acusando-os de lhes estarem a fazer o mal que eles próprio exercem sobre terceiros;
22. Escondem a sua incompetência na sombra do prestígio da instituição que chefiam;
23. Utilizam um estilo fascistoide adquirido nos manuais de iniciação dos grandes homens da política mundial como foi, por exemplo, Mao Tsé-tung;
24. Descomprometem-se de qualquer causa a não ser a deles próprios. Não tomam partido, não se aventuram em causas alheias;
25. Alimentam uma corte de seguidores à custa do dinheiro dos contribuintes;
26. Despromovem o desenvolvimento dos recursos humanos da instituição limitando-se a convidar inúteis entidades da socialite a fim de lhes abrilhantarem o ego nas conferências públicas que proferem;
27. Apostam em temas fraturantes com o objectivo de desviar a atenção dos verdadeiros problemas que afectam o desporto;
28. Ignoram que o seu sucesso só é verdadeiramente conseguido se for sustentado no sucesso daqueles que lideram;
29. Entendem que o exercício do temor é o seu melhor instrumento de liderança;
30. Atiçam, contra os que consideram inimigos, autênticos “rottweilers” que o defenderão enquanto forem bem alimentados;
31. Demonstram uma superior habilidade na arte de iludir os basbaques.
Cuidem-se, pois, os ingénuos porque aquele que sempre viveu dos enganos acabará sempre por encontrar quem queira deixar-se enganar. Mas atenção, o líder autocrata tem a mentalidade de um escorpião. O tal escorpião que pediu a uma inocente e ingénua rã para o transportar para o outro lado do rio. Depois, no final da viagem, quando já se sentia seguro na outra margem, não resistiu à sua maldosa natureza e ferrou a rã. Conta a estória que a última rã a ser ferroada se chamava..."
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