"São 20h00, o jantar está na mesa e debatem-se os assuntos do dia. A minha mais nova tem estado atenta à actualidade e desde as eleições que olha com particular atenção para o país em que vive e para as notícias sobre uma estreante no parlamento português, Joacine Katar Moreira, «a Gaga», como muitos "carinhosamente" lhe chamam, a tal que "não é portuguesa".
Os tempos são modernos, pelo menos é essa a ilusão que a tecnologia nos dá, mas a tecnologia consegue ser paradoxal. No modernismo das redes sociais debatem-se assuntos pré-Revolução e o racismo está presente a cada caixa de comentários. A minha filha, de 15 anos, lembra-me um eu mais novo. Romântico, a viver num mundo de utopias onde o mal não existe e onde todos podemos conviver. As últimas semanas fizeram com que ela encarasse a realidade. Preocupada, conta-me que amigos preencheram uma petição a pedir que a nova deputada não estivesse presente no Parlamento. Ela não percebe porquê. Enquanto isso, acabamos de jantar e não há sobremesa para ninguém. Enquanto a água para o café ferve, peço-lhe para se sentar comigo ao sofá para termos uma conversa.
À mesa não se discute política nem futebol, disse-lhe eu em tantas outras ocasiões. Cumpri a palavra, mas não fomos para muito longe da mesa da cozinha.
Lado a lado tentei pensar numa forma de lhe explicar o que tem lido, os comportamentos que tem visto e o que tem sentido. Foi difícil. Não sabia como fazê-lo. Afinal, 2016 foi assim há tanto tempo? Juntemos, então, futebol e política.
Em Julho de 2016, um grupo de portugueses ia dando que falar em França, junto de tantos outros irmãos de sangue, forçados a emigrar por motivos tão distintos do futebol. Um grupo composto apenas e só por portugueses. A selecção nacional. Os nossos.
Nos cafés e nas ruas festejava-se cada empate e passagem à fase seguinte. Os nossos estavam a deixar-nos cheios de orgulho. 10 de Julho. Só faltava a final, logo contra os franceses. O dia seguinte podia ser diferente para muitos dos portugueses a trabalhar no país das baguetes, mas a união, como diz o ditado, fez a força.
«Chuta, chuta! Chutooooou! Gooooooooooolo!». Todos se levantaram, todos se abraçaram. Os portugueses, juntos, sem excepção, emocionaram-se com o golo de Éder, um português natural da Guiné-Bissau. Dias antes, os mesmos portugueses elogiavam o brilhante jogo de Adrien Silva frente à Croácia liderada por Modric. O médio, nascido em França, foi crucial para o triunfo, selado pelo golo de Quaresma, um cigano.
Em 2016, a minha filha tinha 12 anos e o mundo parecia ser mesmo aquilo que ela imaginava. Na lateral direita, o português Cédric Soares, natural de Gelsenkirchen, foi um dos que se sagrou campeão da Europa, com o colega Raphäel Guerreiro, ainda com dificuldades no hino nacional, a ser um dos destaques. Anthony Lopes, nascido em Givors, distrito de Lyon, foi campeão mesmo sem ter realizado um minuto durante a competição, ao contrário de Pepe, o líder da defesa nascido no Brasil.
«Somos campeões da Europa». A frase ainda dura e durará, pelo menos até Julho de 2020. Eu, Hugo Martins, sou campeão da Europa, tu, filha, és campeã da Europa, tu, Quaresma, és campeão da Europa, tu, Éder ( emoji coração ), és campeão da Europa, tu, André Ventura (!), és campeão da Europa. Joacine, tu és campeã da Europa.
Portugal! Portugal! Portugal!"
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