"A legislação portuguesa desprotegeu a estabilidade dos contratos de trabalho entre um praticante desportivo profissional e a sua entidade empregadora (os clubes ou as sociedades desportivas). De tal forma que, se os emblemas mais poderosos da Europa quiserem, podem convencer qualquer atleta, sobretudo os futebolistas, a rescindir sem justa e fazer as contas mais tarde.
Na primeira parte desta crónica, analisámos o problema da extinção da Comissão Arbitral Paritária (CAP), sendo que importa agora prosseguir com o "protesto" à controvérsia actual no domínio laboral desportivo, que, como se explicou, está marcada por um contexto legal muito duvidoso e controverso, que cremos seria de evitar.
Dispõe o art. 27.º, n.º 3 do novo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo que "o vínculo desportivo tem natureza acessória em relação ao vínculo contratual e extingue-se com a comunicação prevista no presente artigo, podendo ser registado novo contrato, nos termos gerais".
Explicitando, o jogador ao celebrar um contrato de trabalho desportivo fica obrigado a cumpri-lo, pelo prazo estipulado. Todavia, caso pretenda extinguir o contrato antes do termo, o legislador entende que, desde que cumpra a comunicação à federação desportiva que registou o contrato, o mesmo poderá registar um novo contrato de trabalho desportivo a favor de um outro clube.
O praticante desportivo gozará, assim, de total liberdade de trabalho, sem prejuízo de a demissão vir a ser considerada irregular ou ilícita e ter que responder e indemnizar a anterior entidade empregadora. Sendo que a responsabilidade indemnizatória se poderá estender ao terceiro que o venha a contratar.
Ora, até à entrada deste novo regime jurídico, a desvinculação desportiva só ocorreria existindo justa causa para a rescisão contratual, que seria apreciada pela Comissão Arbitral Paritária da LPFP e do SJPF no caso do futebol profissional.
Com todo o respeito, por opinião contrária, sendo a liberdade de trabalho indubitavelmente um valor fundamental, parece-nos que este artigo olvida que o contrato de trabalho desportivo é um contrato especial que foi configurado como um contrato com um termo estabilizador. Ora, esta nova disposição põe fim à estabilidade dos contratos de trabalho desportivos, que não visa a salvaguarda da protecção dos interesses dos praticantes, mas sim a protecção do fenómeno desportivo e competição profissional.
Parece-nos uma disposição muito perigosa, que tem sido pouco discutida, mas que poderá ter como consequência a perda de valor de transacção entre clubes dos contratos de trabalho desportivos. Que poderá levar à perda do valor comercial dos próprios clubes e, consequentemente, das suas competições. Poderá originar um aumento substancial de litigiosidade e conflitualidade entre clubes. Acarreta o perigo de surgimento de novos agentes desportivos que irão aliciar os jogadores, convencendo-os que não precisam de honrar o compromisso assumido e incentivando-os a promover a rescisão do contrato.
Finalmente, certamente que existirá um incremento das debilidades económicas dos clubes nacionais, face aos poderosos clubes estrangeiros que, conhecendo esta disposição e tendo poderio económico, poderão aliciar os melhores activos dos clubes portugueses a rescindir os contratos sem justa causa, assumindo o ressarcimento da entidade empregadora lesada com tal ruptura antecipada do contrato de trabalho. O poder financeiro dos grandes clubes aumentará o fosso entre ricos e pobres.
Com este novo paradigma, a desvinculação desportiva passa a ser imotivada, o que pode perigar o próprio fenómeno desportivo profissional, onde os clubes economicamente mais poderosos podem ir buscar os melhores praticantes desportivos, criando um desequilíbrio competitivo. Este desequilíbrio já é patente, não devendo ser incentivado com disposições como a do art.º 27.º, n.º 3.
Por outro lado, temos assistido passivamente a situações de fraude do sistema do Fair Play Financeiro da UEFA, que não devem ser acobertadas e devem ser frontalmente combatidas.
Deveríamos tomar por exemplo o que se passa nos EUA, para quem o espectáculo desportivo só tem a ganhar com medidas que asseguram um maior equilíbrio entre equipas. Existe assim, a imposição de tectos ou limites salariais e o "player draft system", que se trata de um processo de seleção de novos jogadores para as principais ligas - MLB (Major League Baseball), NBA (National Basketball Association), NFL (National Footeball League) e NHL (National Hockey League) -, estando os clubes, na hierarquia de posição na escolha de jogadores, posicionados inversamente à ordem de classificação obtida na época anterior.
Pelo que, o clube classificado em último lugar, na respectiva liga, tem o direito, no "draft", à primeira escolha do jogador que pretende para a sua equipa. O "draft" garante que nenhuma equipa possa inscrever todos os melhores jogadores, espalhando o melhor talento e mantendo a liga competitiva. Tal levou a que, nos últimos 15 anos, tenham existido onze vencedores diferentes da Super Bowl (futebol americano). Já para não falar na aposta na formação e que desenvolve muitos talentos locais. Nos EUA, os clubes patrocinam ou desenvolvem parcerias com universidades para concorrer com as academias de formação, por forma a descobrir os jogadores com melhores aptidões.
Gostaria muito que se fizesse uma profunda reflexão acerca do modelo de competições que queremos ter, começando-se pela discussão da inovação trazida por este artigo 27.º, n.º 3 do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo."
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