"Com furúnculo numa perna fez o primeiro golo europeu do Benfica; Guttmann não o quis, foi vender jornais e tabaco
1. Nasceu em Arronches, algures por 1932. O pai era dono de uma empresa de camionagem - e não o queria a jogar à bola: «Cresci a ter de fugir dele antes de ter de fugir dos defesas, escondendo-me, às vezes, em casa do meu avô - para escapar aos tabefes que me esperava...»
2. Ainda com a ajuda do avô apareceu no Atlético Clube de Arronches. Tinha 13 anos - logo dando nas vistas pela habilidade e pela velocidade com que incendiava o flanco onde jogasse.
3. Aos 16 anos tirou a carta de motorista - e passou a trabalhar na camionagem do pai. Ao pai apareceu, certo dia, o presidente da Câmara de Arronches a pedir-lhe o «favoritismo» de o deixar ir para o Portalegrense - «que é desejo forte de amigos meus de lá!». A primeira resposta, despachou-a, assim, de rompante: «O futuro do rapaz não é a bola, são as camionetas, senhor presidente. Ainda se fosse o Benfica...»
4. O presidente insistiu na solicitação - e por ser quem era, o sr. Rodrigues acabou por aceitar que o seu Chico fosse, então, para o Portalegrense. Ao darem-lhe a ficha a assinar, exigiu 00 escudos na mão - mas não, não ficou nem com um tostão, os 500 escudos entregou-os, sentimental, ao Atlético de Arronches.
5. Sem que o pai o percebesse, meses antes dera salto ao Campo Grande, para uma «experiência». Cândido Tavares aprovou-o na ora. Levou, comprometido, a boa nova ao pai, ele largou-lhe, taxativo, o aviso: «Só o permitirei se te arranjarem bom emprego em Lisboa». O Benfica disse que o emprego não seria problema - mas foi: (tardou semanas e meses). Estreara-se pelos cadetes com vitória sobre o Sporting - e como a promessa do emprego não se cumpriu, regressou, desgostoso, às camionetas.
6. Do Portalegrense, ainda saltou agora para O Elvas - quando o chamaram à tropa em Lisboa consertou-se que o seu destino seria o Atlético. A caminho da Tapadinha, o coração trocou-lhe as voltas: foi fazer novo teste ao Benfica e Ribeiro dos Reis não deixou que voltasse a escapar ao seu destino: «Tive a sorte que poucos têm, a sorte de entrar duas vezes num palácio encantado - e lá ficar, enfim...»
7. A estreia no Benfica deu-se contra o Independiente de Bueno Aires - por lesão de Águas. Rasgou a história com hat-trick à Espanha, em Junho de 56 - só não foi o primeiro jogador da selecção a fazer três golos num jogo porque, 28 anos antes, o Valdemar Mota (que entrara num filme com a Beatriz Costa) marcara três à Itália.
8. Também marcara o primeiro golo do Benfica no Estádio da Luz - e por isso o tratavam como o «goleador da primeira vez». Fazendo mais jus ao cognome foi dele o primeiro golo do Benfica na Taça dos Campeões, em Setembro de 1957. A viagem para Sevilha iniciou-se na madrugada do próprio dia de jogo. Após 10 horas de caminho, comeram à pressa - e correram para o Nervion. O Sevilha venceu por 3-1 - ele jogou com um furúnculo numa perna, Silva Resende escreveu-o em A Bola: «Rápido, fulgurante, desconcertante, é jogador feliz contra os espanhóis que o temem e se apavoram com a sua presença». Antes do seu fulgurante remate deixara, estonteado com um drible Campanal, o Campanhal que ao sair do campo, afiançou a seu respeito: «É o elemento mais extraordinário do Benfica. (E, nesse Benfica já havia Coluna, Águas, Cavém, Caiado, Ângelo, Santana, Bastos, Zezinho).
9. Era capitão de equipa, na segunda mão em 0-0 acabou o Benfica-Sevilha - e ele contou: «Otto Glória metei o Zezinho à frente para travar Campanal, defesa que limpava tudo e ainda saiu a jogar. Depressa se pegaram e lembrei-me de um truque: fui pedir ao árbitro para expulsar os dois - o Zezinho não nos fazia falta nenhuma, queríamos era o Campanal na rua. O truque não resultou - e fomos eliminados».
10. Só não esteve também na primeira vez do Benfica campeão europeu - porque, nessa época, Béla Guttmann decidira não apostar nele (e o sinal levou-o ao adeus à Luz). Até 1966 ainda jogou no Pescadores e no Monte da Caparica - na Costa já abrira, de sociedade com Salvador (seu colega no Benfica) um estabelecimento de venda de tabacos e jornais (quase até ao fim da vida o manteve - e, em tempos, quem nele entrasse via-lhe fotos de glória nas paredes, coladas...)."
António Simões, in A Bola
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