"Não, não são todos bons os treinadores portugueses, que há uma elite que abriu de espanto os olhos do planeta da bola mas outros apenas enfileiram a marcha beneficiando da etiqueta "made in Portugal". Afirmo-o com a paz de consciência de quem sempre enfatizou essa qualidade do treinador português, mais sobretudo de um saber português, que tem bem menos pouco a ver com uma histórica e tantas vezes elogiada astúcia do técnico nacional do que com a pioneira revolução metodológica do início deste século, com base nas ideias originais de Vítor Frade e consumadas na periodização táctica. Foi isso que mudou o jogo do país que mudou o jogo. Separadas as águas, há que homenagear sempre essa elite que deve orgulhar-nos, que vem de Carlos Queiroz, o revolucionário mais injustamente menorizado, passa sempre por José Mourinho, que ele fez pelo treinador português não tem preço, e termina em Paulo Fonseca, que hoje, mais que um grande técnico por cá nascido, é mesmo, pela qualidade da proposta de jogo que apresenta no Shakhtar, um dos melhores treinadores mundiais. No topo da qualidade de jogo estarão Barcelona e City, servidos por jogadores que poucos outros emblemas poderiam ter, além de Real Madrid e Paris Saint-Germain com jogadores que mais ninguém consegue ter. No patamar seguinte, pela qualidade excepcional de processo que apresentam, coloquem sff o Nápoles e o Shakhtar, sendo que foram os ucranianos do português que seguiram em frente na Champions, precisamente adiante do Nápoles.
Partir-se da ideia de que Paulo Fonseca apenas deu sequência a anos sucessivos de vitórias dos laranjas de Donetsk, na herança do histórico Mircea Lucescu, não só é injusto como falso. É falso porque nos dois anos anteriores à chegada do português o Shakhtar nem sequer foi campeão, perdendo consecutivamente para o Dínamo de Kiev, e sobretudo é injusto porque o que este Shakhtar joga hoje - com nível de investimento (leia-se contratações) que é menor do que foi durante os anos de Lucescu - não tem qualquer comparação com o que produzia até à chegada dos portugueses (Fonseca e a sua equipa técnica). De um futebol desorganizado em que as vitórias resultavam da superior capacidade técnica dos seus craques brasileiros, passou-se a uma ideia de jogo que transformou cada um desses rebeldes talentosos numa peça feliz de um engrenagem de brilho intenso. Ver o que equipa fez em campo na semana passada diante da Roma, com e sem bola, foi impressionante. Sim, uma desatenção de Ismaily no lance do golo italiano pôs a eliminatória da Champions em risco mas o que se viu depois disso foi uma demonstração de competência rara, numa cavalgada ofensiva feita de ambição mas também paciência, construção a partir de trás, qualidade de circulação, alternância de corredores, jogo curto e longo, exterior e interior, e já agora - que muitos olham o jogo por esse prisma - numa disponibilidade física alheia ao facto de participar num campeonato menos competitivo e que até estava parado há uns meses. Um compêndio. Podia nem ter ganho o jogo mas tinha a vitória garantida, que um dos melhores futebóis da Europa leva indelével marca portuguesa.
Recém-chegado à Premier League, Carlos Carvalhal organizou inteligentemente o seu Swansea de trás para a frente. Um factor crítico na liga inglesa - em que tantas equipas apresentam debilidades defensivas mas em que todas apresentam avançados de categoria - é conseguir a segurança defensiva sobre a qual pode assentar a evolução da proposta de jogo. Carvalhal assim fez, com uma defesa a 5 que lhe permite superioridade atrás e um domínio do espaço aéreo, libertou os laterais como alas e pediu aos homens dos corredores ofensivos que percorressem as zonas interiores. Assim, procurou ter sempre gente em número suficiente atrás quando sem bola, e gente em número óptimo para fazer o que mais gosta quando com bola: um jogo gradualmente mais apoiado, com boa ligação entre os sectores, que explora a posse e circulação como forma de procurar o espaço entre os sectores do adversário, reclamando, a partir da segurança dos médios-centro, uma mobilidade forte de todos os homens da frente, incluindo o ponta de lança. Carvalhal percebeu também depressa que estava carente de qualidade no ataque e aproveitou Janeiro para acrescentar ao grupo André Ayew, talento indiscutível mas que se percebe estar ainda à procura do andamento que lhe permita ser mais que um pontual desequilibrador com bola. A dez jornadas do fim, este pode bem ser o momento de uma espécie de dilema, quanto ao ritmo da evolução do jogar dos galeses para momentos de maior risco em ataque organizado. Acredito todavia que não será a derrota de anteontem, no campo do Brighton, a fazer vacilar as convicções do português de Braga que tem apresentado uma comunicação singular, pensada, mas que essencialmente tem produzido no relvado trabalho de qualidade indiscutível. Uma ideia bem treinada fez despertar uma equipa moribunda, devolveu-lhe a identidade e, apesar da concorrência forte e das lesões inoportunas de Renato Sanches e Leroy Fer, promete um Maio de calor feliz nas terras frias de Gales."
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