"Qual é, de facto, o efeito prático do castigo a um dirigente? Ninguém sabe. E ninguém parece muito interessado em saber.
Fábio Paratici é director desportivo da Juventus. Talvez um perfeito desconhecido para a maioria dos portugueses. Ficámos a saber esta semana que foi suspenso até 15 de Outubro por insultar o videoárbitro no final de um jogo da equipa de Turim, castigo a que se junta uma multa de... 20 mil euros. Não 20, nem 200 nem 2000. Foram mesmo 20 mil. Tiago Pinto é director-geral do Benfica. Ainda não é muito conhecido dos adeptos portugueses, porque só este ano chegou ao cargo. Ficou a saber-se esta semana que foi suspenso por 10 dias por palavras contra o videoárbitro durante o Marítimo-Benfica. Castigo a que se junta uma multa de 383 euros. Não 30.830 nem 3830. 383.
Esqueçamos, é evidente, os nomes. Falo de Tiago Pinto apenas pela semelhança dos casos, porque poderia estar a falar de um elemento de qualquer outro clube, dos grandes aos mais pequenos. Não é isso que está em causa. O que importa de facto destacar é a diferença brutal entre aquilo que paga quem (mesmo que os encargos, cá e lá, sejam suportados pelos clubes) comete um ilícito disciplinar em Itália - e Espanha, Inglaterra, França... bem, em quase todo o lado - e em Portugal. E não, neste caso não é um problema do Conselho de Disciplina, que se vê de pés e mãos atadas pelo que determina o Regulamento Disciplinar das competições profissionais. E 383 euros é o que determinam os regulamentos para este tipo de casos. Valor, convenhamos,baixo para servir de factor de dissuasão. É, mal comparado, quase como aplicar uma multa de um euro a quem é apanhado em excesso de velocidade - seria ou não dar carta branca aos aceleras?
Há, ainda no castigo a Fabio Paratici, um aspecto importante a reter. Durante as suas semanas de suspensão, encontrar-se impedido de representar a Juventus em qualquer acção relacionada com a Federação Italiana de Futebol, bem como (evidente) de estar na área técnica ou no banco dos jogos da equipa de Turim. Também aqui se notam as diferenças abissais entre o que se passa lá fora e aquilo que acontece por cá - temos, de facto, gosto em ser diferentes, se bem que nem sempre pelas melhores razões.
Repara-se: em Portugal, um dirigente que se encontre suspenso só não pode estar na área técnica durante o período que antecede e procede os jogos. De resto, ao que parece, é à grande. É-lhe permitido, por exemplo, continuar a representar o clube na Liga ou na Federação. É-lhe até, ao que parece, permitido falar sobre tudo o que lhe apeteça, mesmo que isso implique voltar a violar o artigo pelo qual foi punido. O que levanta (ou devia levantar) uma pergunta fundamental: qual é, de facto, efeito de um castigo aplicado a um dirigente, seja de dez dias, um mês ou um ano?
É um facto que em muitos casos (alguns talvez até mais relevantes do que este) o Regulamento Disciplinar das competições profissionais, aprovado pelos clubes, conheceu importante evolução. Mas é triste olhar para trás e perceber que neste tipo de situações em concreto em vez de evoluirmos regredimos. Em 2007/2008, por exemplo, o Regulamento Disciplinar era claro: «A pena de suspensão aplicada a dirigentes e delegados de clubes (...) inabilita-os, durante o período da sua execução, para o exercício, em especial, das funções de representação no âmbito das competições desportivas e das relações oficiais com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol». Em 2017/2018 o mesmo artigo diz o seguinte sobre dirigentes e delegados suspensos: «Sem prejuízo do estabelecido nos números anteriores, os dirigentes e delegados suspensos mantém o direito de representar os seus clubes durante o período de suspensão no âmbito das relações associativas com a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e a Federação Portuguesa de Futebol».
É ou não andar para trás? Talvez assim consigamos perceber melhor porque tantos com responsabilidades continuam a dizer e a fazer aquilo que muito bem entendem. Querem começar a melhorar o clima do futebol português? Aqui está um bom ponto de partida. Porque até agora andamos, percebe-se, a brincar aos castigos."
Ricardo Quaresma, in A Bola
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