"Não era fácil jogar a seu lado, mas era quase impossível jogar contra ele. Humberto Coelho foi um príncipe: o capitão dos campeões. Até à maldita traição do seu joelho, todos pensavam que seria eterno.
Não era fácil jogar lá no centro da defesa, a seu lado. Perguntem àqueles que o fizeram. Porque havia em Humberto Coelho um certo sentido de liberdade infinita, um instinto libertatório, se calhar. Ele estava atrás, de olhos postos na frente. Soltava-se, fugia, decidia. Era o golo e o seu contrário. O golo e o evitar do golo. E um respeito profundo tomava conta de toda a equipa e das bancadas: adeptos e adversários.
Eu sou testemunha: mesmo Eusébio, o Eusébio incontrolável, o Eusébio retardatário, o Eusébio imprevisível, se deixava domar, de vez em quando, pelo Humberto.
Se era preciso um Eusébio que não faltasse, um Estádio cumpridor de horários (que heresia!), chamávamos o Humberto. E eles falavam, e Eusébio dava-lhe razão e vinha, à hora mais ou menos certa.
Humberto Coelho veio do Ramaldense, nasceu no Porto, freguesia da Cedofeita. Aos 16 anos estava no Benfica.
Não era fácil jogar ao lado dele e, no entanto, tantos foram os que jogaram a seu lado. Bastos Lopes (António e Alberto), Frederico, Eurico, Laranjeira, Alhinho, Rui Rodrigues, Messias, Barros...
E o Humberto, imperial, percebeu-se desde logo que iria ser capitão do Benfica, tinha tudo para ser capitão do Benfica, era da estirpe dos Beckenbauer e dos Krol, gente do seu tempo, heróis contemporâneos que comandavam, da defesa, equipas inteiras, selecções inteiras, clubes inteiros. E o povo com eles.
Humberto Coelho é daqueles jogadores que não se discutem. Acho que nunca se discutiu, embora a memória me pregue partidas, de quando em vez.
No dia de 8 de Setembro de 1968, Neves de Sousa escreveu sobre ele: 'Esta, a grande verdade do jogo: festival de Humberto a tentar colmatar as mãos incertas de Nascimento. Porque, enquanto o guarda-redes não acertava com o tempo de saída e assistia, sereno e impávido, ao sobrevoar da sua área, Humberto era quase que um polvo, segurando (em seus tentáculos), avançada sobre avançada, desfazendo o perigo justamente de molde a criar, para os adversos, sobressalto sobre sobressalto. E foi então que se escreveu, em vinte minutos de antologia, o título do festival: récita para a candidatura de um jovem'.
Contra Pelé e contra o azar
Era Setembro e a Luz, e Tejo e tudo, como em Lisbon Revisited. Benfica-Belenenses, 1.ª jornada do campeonato. Humberto apresentava-se, e Otto Glória confiava nele, 4-1. Golos de Torres, Eusébio(2) e Jacinto.
Humberto Coelho já tinha vestido, antes, a camisola vermelha da águia ao peito, a camisola vermelha berrante da equipa principal, no Brasil, durante uma das habituais digressões do Benfica pelo mundo, e mesmo contra o Santos, o Santos que tinha uma linha avançada que parecia a letra de um samba: Dorival, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.
Abrira o seu espaço, percorreria o seu caminho.
Pelo Benfica atingiu a excelência. Faltou-lhe uma final da Taça dos Campeões, sobrou-lhe uma final perdida da Taça UEFA, em Lisboa, na segunda mão frente ao Anderlecht.
Nesse tempo, já tinha ido e voltado. Fora a Paris, jogar no Paris Saint-Germain, passara pela América e pelo Quicksilver, era também capitão de uma selecção e de um jogo que nunca deveria ter feito parte da sua história: os 0-5 de Moscovo onde se lesionou de vez num maldito joelho que inchava a toda a hora.
Foi também um homem contra o seu azar. Esse azar de uma lesão que o feriu com ausências de fases de Europeus e Mundiais.
Os seus iguais estavam lá, capitaneando países, Humberto ficava em casa, que podia ser o lugar do seu conforto e do seu carinho, mas só quando voltasse, como o vencedor que sempre foi.
Houve aquele jogo incrível, único e absurdo, frente ao FC Porto, na Luz, com o Benfica a perder por 0-2 a 15 minutos do fim. Aquele jogo que se virou, e pernas para o ar, com os golos de Vítor Baptista e Jaime Graça e Humberto Coelho, no último dos minutos, entrando na área com a fúria de uma tempestade, destruindo mitos e medos, pontapeando a bola para a baliza com a raiva de um deus sem altares.
Não era fácil jogar ao lado de Humberto Coelho, dizem os defesas que repartiam o seu espaço no campo de todos os sonhos.
Ah! Mas escutem os adversários e imaginem o que eles dirão!!!
Nós, na bancada, ficávamos a vê-lo e a desejar que ele durasse para sempre como capitão dos campeões..."
Afonso de Melo, in O Benfica
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