"Num tempo e lugar já distantes, vi com o João Vaz, meu velho amigo do liceu de Guimarães, aí pelos anos 60, Eusébio a jogar pelo Benfica, pela primeira vez, em Matosinhos. E ficámos, desde logo, espantados com a agilidade e repentismo de um atleta onde o génio do improviso era luminoso. Partimos 'à boleia' de Espinho e tentámos regressar do mesmo modo, no final do jogo, à tarde. Fomos vencendo a distância desde Leixões, pela estrada fora, ao cair da tarde, e no cansaço de uma viagem a pé, interminável, exausta, até Espinho, lugar salvador da casa de meus tios. Eusébio, e esse Benfica, tornaram-se-me inesquecíveis.
Momento ainda único, de contrastes, foi a final da Taça de Portugal em 1969: Benfica-Académica. Tempo de ditadura, de Coimbra em revolta, universidade encerrada e em luta, 'cidade sitiada', uma 'ilha de liberdade', a viver em Portugal. A final do Jamor, considerada o maior comício num campo de futebol contra a ditadura, viveu a singularidade de uma revolta da juventude, de Coimbra e Portugal, tendo a seu lado o povo que gosta de futebol, de todos os clubes. Nas bancadas vermelhas do Benfica, e nas pretas da Académica, viajaram tarjas e dísticos de protesto e liberdade, perante a fúria dos próceres da ditadura. Tomás e a televisão do regime estiveram ausentes da final.
No palco do jogo, a 10 minutos do fim, Manuel António marca um golo da vitória da Académica. Mas o 'destino' ainda não tinha chegado e Eusébio, esse atleta genial, estragou a festa, que finalmente só veio a explodir seis anos mais tarde. Um contrassenso: o Benfica do povo e uma Académica de causas (e de estudantes) ganharam e perderam nesse dia. Eusébio sem o pressentir, tinha marcado um golo na sua própria baliza (e da história).
Aquando da morte de Eusébio, tive oportunidade de rever o filme de uma vida, e das gerações que, como a minha, também por aí passaram. E, por isso, quando a Assembleia da República votou a homenagem a Eusébio, pude dizer, em nome do Grupo Parlamentar Socialista, que esse atleta genial foi, também, exemplo de desportivismo ímpar. E lembrar que nos tempos trágicos da ditadura, que conduziu a uma guerra colonial, racista, Eusébio emergiu como um símbolo de identidade popular e nacional, que se manteve intocável até aos nossos dias.
Eusébio foi um desportista mágico, que concentrou em si as esperanças do povo, na sua capacidade indomável de lutar e vencer, de transformar, de 'mudar o rumo dos acontecimentos', contrariar o destino. Eusébio, natural de Moçambique, tornou-se uma referência universal de Portugal e da lusofonia. Sendo uma glória do Benfica, Eusébio tornou-se um símbolo popular da identidade de Portugal."
Alberto Martins, in Mística
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