"Houve dois golos e uma assistência de Rafa Silva, mais um acrescento para o avassalador registo do português esta época (já participou em 31 golos), mas, enquanto o Benfica não ajustou a espécie de invenção de uma nova forma de atacar que tentou na primeira parte, pouco se viu dele e de flagrantes oportunidades para marcar. Só após o intervalo os encarnados acertaram na tecla para ganharem (4-0), sem dificuldades, ao Portimonense
Quando Kökçü recebeu de João Mário a bola acabadinha de ser recuperada no seu meio-campo, olhou à volta e viu-se sem incómodos nas redondezas, ao longe mirou a baliza de frente, avistando David Neres a sprintar rumo à deserta pradaria que havia até ao alvo. Confortável, o turco açoitou suavemente um passe com o interior do pé, o recado foi ter à trajetória da corrida do brasileiro, ele aguentou a tentação de cair face ao encosto de um adversário, não resistiu a fintar o guarda-redes Nakamura e marcou. Havia 57 minutos. Dois antes, a trivela de um Rafa escondido à direita da área marcara o 1-0; e dois minutos depois, o exterior da canhota de Di María faria o 3-0. Numa tempestiva rajada, o Benfica resolvia o jogo contra o Portimonense.
Parecia uma equipa esbaforida e furibunda, vinda de um embalo ofensivo que só podia vir de há muito no jogo. Era um ímpeto, sem dúvida, mas dissonante do visto durante toda uma primeira parte que desconvidou a suspeitar que o Benfica arrepiasse caminho como o fez nessa mera mão de minutos.
Muito antes, quando o minuto era o 14 e entrasse um atrasado na Luz, espreitando por uma entrada de acesso à bancada, veria o esparguete humano em palmos de relva habituais, lá na direita do ataque do Benfica, a receber a bola. Com a sua esguia curvatura, fletindo ainda que só ligeiramente o pescoço para a frente, Ángel Di María nem precisava de olhar para a grande área à qual conhece cada aresta, qualquer centímetro, mas, nessa jogada, por certo a mirou antes de transmutar dimariescamente o seu corpo: no ápice em que decidiu que pontapé daria na bola e depois o deu, mudou a postura aconchada e inclinou o corpo para trás enquanto bateu com o pé esquerdo na bola.
Nesse instante, nada de novo. Era um momento quase marca de água do Benfica esta época.
O decidido por Di María apresentou-se como um inócuo lançamento para o lado oposto a que Fredrik Aursnes, outra vez com a sina de ser lateral esquerdo, quase chegou nas costas do ala direito do Portimonense. Não era um cruzamento, nem um lançamento com bisturi de cirurgião apontado do espaço entre defesas e guarda-redes, ambas tentativas repetidas e revistas esta época quando a equipa ataca. Sabido tem sido que a questão não é ‘se’, mas ‘quando’ a bola irá ao argentino para ele desencantar um passe genial que deixe alguém em condições refasteladas de cortejar um golo - é uma certeza repetente no jogo ofensivo dos encarnados, não uma ideia ocasional.
Mas, à 23.ª jornada do campeonato e quase dois terços da época preenchidos, o Benfica recebeu um previsivelmente prudente Portimonense, que Paulo Sérgio encosta nos seus três centrais e não tem problemas em montar, quando lhe toca defender, num bloco baixo, com uma nova forma de atacar. E depois de aos 14’, Di María foi o que costuma ser aos 22’ (bola longa para David Neres, que corria para a linha de fundo), aos 29’ (de novo a ver Neres) e 39’ (um cruzamento tenso, cortado por uma testa algarvia). Quatro esporádicas bolas longas e o argentino em nenhuma injetou o veneno habitual que procura, cheio de insistência, por vezes até demasiada, em todas as vezes que espera perto da linha que a bola lhe chegue.
Pelo contrário, o argentino cumpriu a primeira parte a enfiar-se por dentro do compacto bloco dos visitantes, perdido entre o aglomerado de corpos, ele e David Neres perto de um Orkun Kökçü em pára-arranca constante nos espaços curtos entre médios e defesas, a querer mostrar-se aos passes. Ao centro do ataque e longe do seu lugar de eleição, era estranho ver Di María por ali, mas também o turco, desconfortável de costas para a baliza e quase irrelevante a tocar na bola nessas circunstâncias. E Rafa, sozinho como um falso ou verdadeiro avançado, dependia das jogadas em que se percebia o propósito (levar uma posse de bola longa para perto da área contrária), embora se diagnosticassem os problemas.
Sem um ponta de lança de raiz, o pequeno jogador envolvido em 28 golos até então desdobrava-se em corridas para as costas de três corpulentos centrais que o controlaram durante 45 minutos, Rafa correu atrás da bola em vez de correr com a bola, tipo de corrida em que é excelso, Di María era inofensivo no meio de tantos adversários, Kökçü não via o jogo de frente e Neres só aparecia quando Aursnes, à esquerda, tinha a bola e ele se desmarcava. Percebia-se a ideia de baralhar um fechado Portimonense, mas o Benfica, apenas de roçar os 70% da bola, não trocava o suficiente as voltas ao adversário.
Antes do intervalo, só Otamendi, que se deixou ficar na área após um canto para ser lançado por Kökçü na única vez em que o médio teve uma bola de frente para a baliza, e Neres, a desviar o também único cruzamento feito por Di María para ser finalizado, ameaçaram a baliza. Cumprido o descanso, os balneários trouxeram um Benfica mais atrevido na intenção de querer baralhar as marcações da catrefada de jogadores que o Portimonense juntava na cobertura da sua baliza e quando Rafa, à direita da área, encostou o exterior da bota direita no 1-0, a jogada (que teve um ressalto pelo meio) fez-se com o argentino a ir à esquerda e Bah, lateral direito, a participar no miolo.
O isolamento de Rafa veio desse tweak nos posicionamentos ofensivos, gente a aparecer onde não era suposto e a criar dúvida na cabeça dos adversários. Os dois seguintes, quase instantâneos, da velocidade que aumentou a sair para o ataque e na ânsia demonstrada pelos jogadores do Portimonense em quererem logo remediar o golo sofrido, atabalhoando uma organização coesa até então como radiografou o treinador Paulo Sérgio no final. Soprada essa rajada furiosa, os encarnados encontraram o conforto que nunca tiveram antes no jogo.
Com o prejuízo já gordo, a projeção dos algarvios para o ataque também se alargou, Hélio Varela e Jasper eram setas que lançou com frequência para se acercar da área encarnada e houve cruzamentos feitos, remates tentados, aproximações feitas à baliza, mas a definição das jogadas pecava no Portimonense com jovens talentosos e que sujeita o técnico a afinar uma equipa a partir de um plantel que roda a cada seis meses. Pelo contrário, o Benfica foi crescendo no conforto a que se agarrou na segunda parte.
Rafa ainda faria o 4-0 a passe de Di María quando a equipa já fluía sem travões, com Kökçü mais recuado para armadilhar passes. Aursnes e Bah crescenram nos espaços vagados pelo maior atrevimento dos alas do Portimonense e o Benfica, em fases, divertia-se em campo, fosse com o pequeno acelerador de jogo a baralhar as atenções dos centrais já atinado com esse jogo de sombras, ou depois com Arthur Cabral em campo, a ser um avançado declarado. Foram 10 remates do Benfica em cada parte. A impressão de quem esteve na Luz provavelmente guardará maior memória de perigos atacantes do segundo ato, quando a equipa já soube lucrar dos novos posicionamentos dos seus jogadores no ataque.
Confirmada a vitória, o maior lucro dos encarnados viria de outra parte, jogada longe e em Barcelos, onde o FC Porto empataria com o Gil Vicente para a diferença entre os rivais ficar em nove pontos. O Benfica soltou-se na sua forma de atacar e agora está mais solto de um dos seus perseguidores."
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