terça-feira, 4 de março de 2025

Não conta só «meter a bola na baliza»


"«O que conta é meter a bola lá dentro», ouvimos tantas vezes, a bola na baliza, fazer golo, chega a parecer que no futebol mais nada interessa. Mas é um erro, porque o «como» conta, o como se lá chega, perto da baliza, conta e muito. E há um pecado original que ajuda a perceber o erro de análise, por indiscutível que pareça a ideia feita: se desprezamos a forma como chegamos ao golo, teremos também dificuldade em entender a razão pela qual, tantas vezes, não chegamos. E aí queixamo-nos da sorte, ou do árbitro, no mínimo da muito gasta «falta de eficácia», que explica quase tudo e, tantas vezes, coisa nenhuma.
No fundo é sempre a discussão sobre o processo antes do resultado. Ou vice-versa. Sérgio Conceição deu para o peditório, quando chegou a Milão a prometer «bolas dentro da baliza», ao mesmo tempo que desprezava o tiki-taka, num aparente remoque ao antecessor, Paulo Fonseca, cujo trabalho olimpicamente ignorou. Agora, que o Milan está pior do que estava antes, a despeito de um plantel bem reforçado em janeiro, vale a pena lembrar de novo que antes da «bola na baliza» há a discussão sobre o modo de a levar até lá. Pode haver razões invisíveis para o insucesso, mas a equipa tinha de jogar bem melhor. O processo conta e não é pouco.
Rúben Amorim tem um processo que pode funcionar, ninguém em Portugal duvida disso, assente numa ideia (modelo de jogo) que ele enriqueceu com o passar dos anos e numa estrutura (sistema) que claramente prefere. O problema é que em Alvalade deixou um plantel reforçado que encaixava nas suas ideias e em Manchester encontrou um plantel enfraquecido onde tenta fazer com que as suas ideias encaixem. Desenvolver o modelo está transformado numa via-sacra, o que se agrava com a competitividade extrema de uma Liga onde nunca surge um Boavista ou Farense (escolho os últimos da tabela, com respeito) para facilitar a inversão do ciclo anímico, que também conta muito.
Frederico Varandas já o admitiu e Rui Borges defende-se agora, acentuando a evidência: o plantel do Sporting foi desenhado para Amorim e não para ele. Nem para ele nem para João Pereira, já agora, que tão destratado foi. E isto conduz a uma crítica óbvia, para mais num clube com o bicampeonato no horizonte: se o treinador tinha ideias diferentes, o mercado de janeiro tinha de ter sido diferente, na necessidade de mais um médio centro, de um outro lateral e de um avançado versátil que pudesse acrescentar mesmo (ou seja, melhor do que Biel).
Acertar em Rui Silva foi curto e deixou Rui Borges ainda mais exposto à inusitada onda de lesões. As ausências atenuam, neste caso, a censura quanto à falta de evolução de um processo de jogo, ao ponto de o próprio Rui Borges, com desconforto evidente, afirmar que a equipa está longe da ideia de jogo dele. Está sobretudo longe de uma boa ideia de jogo. E não é fácil imaginar um campeão neste contexto.
No futebol, no entanto, é possível ganhar com boas ideias, ideias menos boas e até na ausência delas, se os melhores jogadores estiverem todos do mesmo lado. Ainda assim, o sucesso estará sempre mais perto se estiver bem identificado o destino – o modelo que se busca – e antecipados os caminhos que a ele conduzem - o processo de treino/jogo.
Porque há processos mais simples e mais complexos, mais rudimentares ou inovadores, audazes ou contidos, o que não faz sentido é que o resultado se suponha anterior a ele. O resultado é como o golo, surge no fim, como consequência. Meter bolas na baliza todos querem. A questão é mesmo o «como»."

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