A igreja Lageana que fez de mim ateu


"Talvez o leitor não saiba, mas há coisa de uns anos decidi criar uma igreja. O momento entusiasmava e pedia algum sentido de humor. Nada contra as outras religiões ou igrejas, mas nenhuma outra tinha na sua origem uma equipa que marcara 72 golos em 19 jogos na Liga portuguesa. Ao leme, um homem de palavras simples e mensagens fortes, talvez não o treinador que tínhamos idealizado, mas aquele que se sagraria campeão pelo Benfica, numa equipa onde pontificava um rapaz chamado João Félix. A Igreja Lageana, nascida no frémito das goleadas sucessivas e do bom futebol, após uma recuperação de sete pontos que parecia impossível, nasceu como uma piada e viria a sucumbir, adivinharam, quando a coisa deixou de ter graça.
Podia dizer-lhe, caro leitor, que a brincadeira deixou de ter piada porque foi repetida vezes demais, mas não. Foi só uma daquelas piadas que envelheceu mal. Hoje, se me perguntam pela Igreja Lageana, respondo que me tornei ateu. Não é a mais pura das verdades, mas é a melhor forma de explicar que me desiludi com Bruno Lage. A dimensão quase religiosa do seu momento veni vidi vici foi substituída por uma das piores séries de jogos que me lembro de ver no Benfica. Depois de uma época do título em que subimos aos céus, a segunda época de Lage foi a descida ao inferno. É curioso como, de um momento para o outro, alguns dos traços que muitos apreciavam no treinador tornaram-se difíceis de suportar, uma demonstração cabal da desorientação que se apoderara de Lage.
Uma auditoria forense desse tempo e de tudo o que sucedeu desde então mostra-nos que o Benfica tem sido quase sempre melhor a monetizar os seus jogadores do que a jogar à bola. O problema é que o loop em que as finanças entraram raramente foi destilado em equipas capazes de estar à altura do Benfica. Desde que Bruno Lage passou pelo clube, a situação tem-se agravado, delapidando património do clube - financeiro, desportivo e, não menos importante, identitário. Não admira que num clube em que, muitas vezes, só o dinheiro parece ser importante, as dimensões mais imateriais do património sejam esquecidas. Se a mística benfiquista fosse um ativo transaccionável, já a teríamos vendido ao Wolves para mais tarde a recomprar ao Nottingham Forest, pagando 10% por cada uma destas complexas operações de intermediação.
À medida que os treinadores se vão sucedendo no Benfica e pouco ou nada muda para além do senhor que se segue, apetece perguntar quantos mais serão vítima do cemitério em que o clube se tem vindo a tornar. De certa forma, gabo a coragem a Bruno Lage para tentar tocar violino nesta banda filarmónica de improviso. Não tenho dúvida de que o novo-velho treinador do Benfica acredita na sua capacidade para ser ele o homem que dá a volta ao texto e endireitar tudo o que segue torto até cair de vez. Seja porque acredita na sua capacidade, seja porque vê no plantel condições para fazer muito melhor, seja porque o benfiquismo o move, seja porque outro treinador não aceitou, seja por todos estes motivos, a partir de agora todas as dúvidas, todos esses avanços e recuos que suscitam dúvida, darão lugar a um novo ciclo em que acreditamos que tudo ficará bem outra vez. Para muitos, será uma espécie de ganhar para voltar a viver. Para outros tantos, será uma espécie de ganhar para esquecer.
Independentemente do que está mal, que vai muito mas muito para lá de Bruno Lage, também eu torço para que dê certo e voltemos a vencer o Nacional por 10-0, mais que não seja para nos inebriarmos durante uns tempos. Mas, ao contrário do que dizem algumas vozes mais esperançosas, o verdadeiro teste do algodão está hoje à vista de todos e permite outra conclusão. O problema que nos conduziu a um novo ciclo de esperança depois da depressão, não se resolve com esta solução diretiva. É aliás grave que estejamos perante um ciclo de liderança que, até sensatez em contrário, se prolongará até outubro de 2025. Seria prudente que este tema fosse debatido amplamente e reconsiderado pelos atuais protagonistas do clube, independentemente do impacto que Bruno Lage for capaz de produzir.
Aquilo que hoje se observa é, à sua maneira, o desnorte de uma espécie de viciado no jogo, na curva descendente do transe que o capturou e o convenceu de que a vitória era inevitável, bastaria continuar a jogar, a tentar recuperar as perdas depois de ter ignorado repetidamente a velha máxima de que só se deve apostar aquilo que se está disposto a perder - no caso do atual presidente, o lugar de eleição que ocupava no universo de memórias benfiquistas. Um património sem preço, não transacionável - ironicamente, mais um pedaço da identidade do clube delapidado. Faz algum sentido que um benfiquista como Rui Costa tenha deixado isto acontecer? É uma das minhas maiores perplexidades.
Tem-se por hábito afirmar, quando um novo treinador chega, que esse passa a ser o meu/nosso treinador, como se alguém fosse impedir um novo treinador de trabalhar e mostrar aquilo de que é feito. O voto de confiança parece presumir que a solução milagrosa para os problemas do Benfica está na suspensão momentânea de qualquer espécie de dúvida e na capacidade de deixar que seja o coração a comandar, o mesmo órgão que, conjugado com alguma razão, poderia ter comandado tantas e tantas decisões que teriam dado outro rumo ao clube.
É importante que o novo treinador do Benfica sinta que os adeptos, a direção e a estrutura estão com ele, que o seu sucesso será o sucesso dos benfiquistas, mas não deixo de sentir que este exercício de fé contém uma ideia de acriticismo perigosa para o futuro. Seria, por exemplo, como se alguém me tentasse convencer, apesar de todas as evidências contra, que será o benfiquismo de Rui Costa a torná-lo um bom gestor da SAD ou um presidente com uma personalidade forte ou um líder inspirador da mudança que prometeu, mesmo depois de termos ensaiado essa suspensão da dúvida com ele, e acreditado por momentos, plenos de coração, que bastaria dizer que ele era o nosso presidente. Já não tenho esse dízimo em mim, e parece-me que não estou sozinho. Que Bruno Lage seja a boa nova de que esta época tanto precisa, mas evite-se o salto de fé por associação. A realidade mantém-se e, se isto parecer muito imaterial ao leitor, sugiro a leitura do Relatório e Contas da SAD, um aviso para o que se seguirá caso continuemos a apostar a casa no casino. Por isso, não peçam para nos unirmos em torno de uma suposta divindade que castiga e perdoa, que testa e recompensa, e que por isso merece a nossa veneração incondicional. Acontece que essa divindade é tristemente terrena. Não admira que tantos de nós se tornem ateus."

Cristiano Ronaldo vai chegar aos 1000 golos


"Não tenho grande talento nos prognósticos (a não ser no fim do jogo…), mas há três coisas que tomo como certas na vida: a morte, os impostos e os recordes que Cristiano Ronaldo quer bater

Foi sentado num sofá, descontraído, com roupa casual e ao lado do amigo Rio Ferdinand que Cristiano Ronaldo o disse em voz alta: quer chegar aos 1000 golos marcados. Quando atrás do microfone está um jornalista, já o terão ouvido dizer qualquer coisa como: «Eu não bato recordes, os recordes é que me perseguem.» Mas pelos vistos o canal no YouTube não traz só entrevistas destas para milhões de seguidores (e recordes!), também traz um bocadinho de sinceridade.
O que é certo é que 901 já lá vão e, segundo as contas do Rogério Azevedo, se demorar o mesmo tempo a marcar os próximos 99 do que os últimos 100, Ronaldo vai chegar aos 1000 algures na primavera de 2027, com 42 anos. Parece difícil, mas nisto sou como Roberto Martínez: «Acho que ninguém pode dizer que o Cristiano não pode fazer alguma coisa.» Sendo que, ao contrário do selecionador, eu não poderei fazer nada para o ajudar.
O que o Euro 2024 e os dois jogos na Liga das Nações demonstraram é que tudo é possível. CR7 jogar até aos 42 anos? Possível. CR7 continuar a marcar muitos golos? Provável. CR7 ser titular em jogos que não contam (Geórgia) para tentar marcar? Presumível. CR7 continuar a jogar pela Seleção até tomar a decisão «espontânea, mas muito pensada» de sair? Plausível. CR7 terminar a carreira na Arábia Saudita, com menor exigência competitiva, mas que conta para os recordes na mesma? Viável.
Ronaldo é dono e senhor da sua carreira, dos seus objetivos, das suas redes sociais, dos seus recordes, do seu ego e de tudo o que conquistou e – não duvido – ainda vai conquistar até se retirar. E bem podemos continuar a refletir sobre o que seria da Seleção com menos CR7 até à primavera de 2027: se jogaria melhor, se teria outros protagonistas, se ganharia mais. Isso pouco importa quando ele marca e o estádio fica vários minutos seguidos a cantar por ele.
Portugal é Cristiano e Cristiano é ainda mais Portugal desde que está longe do futebol europeu. Quando a Seleção ganha fala-se de Ronaldo, quando a Seleção perde também e quando a Seleção marca ou foi Ronaldo, ou se procura pelo que Ronaldo fez na jogada. No Euro só o relatório confidencial de Roberto Martínez viu um bom Cristiano, mas contra a Croácia e a Escócia não foi segredo nenhum: CR7 vai marcar quase sempre e Portugal não tem outro como ele nisto (com Gonçalo Ramos lesionado, até não tem mesmo outro). Talvez esta devesse passar a ser a nossa preocupação - e não Ronaldo. Afinal, temos até à primavera de 2027 para resolver isto."

O doping e os árbitros


"No passado sábado tive o prazer de moderar um dos painéis do Ética Summit/2024, subordinado ao tema: «O árbitro e o controlo antidoping: porque não»".
O evento, organizado pelo Panathlon Clube de Lisboa, teve milhares de inscritos e abordou temas muito interessantes.
Mas esta questão, a de se perceber se faz ou não sentido submeter árbitros e juízes desportivos a controlos antidoping, não é recente. Aliás, há muito que tem sido discutida no desporto e na própria comunidade científica, não havendo unanimidade nas opiniões. Percebe-se porquê.
Na sua essência, esse controlo existe para impedir que os atletas (estão em competição direta uns com os outros) adulterem a verdade desportiva, recorrendo a produtos ou métodos que potenciem mais e melhores performances. Na verdade, faz sentido que sejam eles os principais destinatários do escrutínio por impactarem na justiça do jogo/prova caso consumam substâncias que ofereçam vantagens desleais.
A Agência Mundial de Antidoping definiu uma lista de produtos ilícitos (variam de competição em competição) que potenciam ganhos de força, velocidade e resistência, maior lucidez, concentração e foco, mais precisão, pontaria, serenidade, etc. Ora em função dessa catalogação, a questão que os mais céticos colocam é simples: se os árbitros recorressem a esse tipo de produtos, não seria a verdade desportiva beneficiada? Ou seja, se estivessem mais focados, mais próximos das jogadas ou mais ativos mentalmente, não tomariam melhores decisões?
Em tese, sim, mas só em tese, porque na prática podiam consumir substâncias proibidas que piorasse o seu estado normal (por exemplo, as que inebriam, agitam, confundem, aumentam a agressividade e retiram lucidez ou a agilidade de reflexos).
Mas mesmo que o uso de agentes dopantes lhes oferecesse maior capacidade de juízo, a opção seria sempre má e por três razões.
Acompanhem o raciocínio, por favor:
1. Questão ética. Os árbitros/juízes são o garante da aplicação das regras em campo, na pista, no ringue, na arena, onde quer que exerçam a sua atividade. A sua conduta deve ser neutral, equidistante, discreta e acima de tudo, exemplar. Compete-lhes serem uma referência de valores a toda a hora, em qualquer momento. Devem atuar dentro de parâmetros de total transparência e personalizar aquilo que se pretende que o desporto seja: uma atividade sã, jogada, treinada e ajuizada de forma séria e lúcida. A simples presença das palavras árbitro e doping na mesma frase, arrepia. Não faz sentido. Nunca pode acontecer.
2. Questão de saúde. O uso reiterado de substâncias proibidas podem causar dependência e, mais importante ainda, danos graves à saúde a quem as consome. São recorrentes os problemas cardiovasculares (arritmias, pressão alta, ataques cardíacos ou até morte súbita), alterações no sistema nervoso central (insónias, ansiedades, depressões, ideações suicidas, AVC's, etc) e problemas respiratórios (sinusites ou hemorrogias nasais). Um árbitro, um juiz desportivo, é também um atleta e deve manter hábitos idênticos àquele. A ideia é que sejam saudáveis, não que optem conscientemente pelo consumo de produtos que garatem o seu contrário.
3. Competição interna. A esmagadora maioria dos árbitros e juízes desportivos competem entre si. As suas atuações são monitorizadas, os seus testes avaliados. Os árbitros de futebol, por exemplo, fazem provas físicas recorrentemente. Se estiverem "dopados", ganharão benefício ilícito sobre os seus pares. O mesmo em relação às suas atuações em campo. A vantagem desleal é batota e essa fere sempre quem compete de igual para igual.
Moral da história: os árbitros deviam fazer os mesmos testes, do mesmo modo e padrão que fazem os atletas profissionais? Se calhar, não. Mas cada federações podia ponderar a possibilidade de criar mecanismos internos de prevenção, controlo e punição, para salvaguardar que todos cumprem, de igual para igual, as melhores práticas que o desporto pressupõe.
Esta é uma discussão que vale a pena ter."

Unidos para vencer


"O tema em destaque nesta edição da BNews é a entrevista a Fredrik Aursnes conduzida por Shéu.

1. Mística a dois
A glória Shéu conversa com Fredrik Aursnes sobre o Benfica e o que significa jogar de águia ao peito. O internacional norueguês acredita que a união é fundamental para o sucesso: "Tentamos concentrar-nos no que podemos fazer todos os dias para melhorar e para ganhar o jogo no fim de semana. Acredito que todos nós fazemos isso. Claro que temos de viver com a pressão, mas é algo de que temos de tentar desfrutar também um pouco, enquanto jogadores. Por vezes pode ser difícil, mas acho que temos de nos manter todos juntos, os jogadores e os adeptos, todos nós, para irmos juntos na direção certa."

2. Atividade nas seleções
Amdouni esteve em campo pela Suíça frente à Espanha e marcou um golo. Bah, António Silva e Leandro Barreiro também jogaram.

3. Relatório e Contas da Benfica, SAD
A Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD divulgou a informação económica e financeira relativa ao exercício findo a 30 de junho de 2024.

4. Adversário conhecido
Realizou-se, nesta manhã, o sorteio da 2.ª ronda de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões de futebol no feminino. O Benfica vai defrontar o Hammarby IF, campeão da Suécia. A 1.ª mão é disputada nos dias 18/19 de setembro, a 2.ª a 25/26 do mesmo mês. O vencedor da eliminatória segue para a fase de grupos.

5. Formação de futebol
Todas as equipas da formação e iniciação de futebol do Benfica já trabalham na nova temporada.

6. Jogo de preparação
A equipa de voleibol do Benfica perdeu, por 3-1, frente aos franceses do Narbonne Volley.

7. Supertri
Na 3.ª etapa do Supertri, realizada em Londres, Vasco Vilaça terminou na 8.ª posição. Recorde-se que, na etapa de Chicago, terminara no 3.º posto, e não participara na etapa de Boston. Neste momento ocupa o 9.º lugar da classificação geral. Segue-se Toulouse, no próximo 6 de outubro, e Neom, dia 3 de novembro."

Quando Cristiano deixa de ser eucalipto...


"Oxalá este CR7 que defrontou a Escócia tenha vindo para ficar: sem tiques de ‘prima dona’, sem os defeitos do eucalipto, galvanizador, a pensar primeiro na equipa, e só depois nele…

A dupla jornada caseira da Seleção Nacional, a contar para a Liga das Nações, culminada com vitórias por 2-1 sobre Croácia e Escócia, recuperou para a ribalta a questão da utilização de Cristiano Ronaldo, 39 anos e 250 dias, na equipa de todos nós.
Depois de duas participações mal conseguidas do melhor goleador da história do futebol no Mundial do Catar e no Europeu da Alemanha, levantaram-se vozes (a minha incluída), perguntando se não seria tempo de um ‘adeus’ às armas de CR7 na turma das quinas, onde nos jogos importantes estava a deixar de fazer a diferença, revelava dificuldade em integrar-se no labor defensivo da equipa, condicionava a manobra coletiva de Portugal, e funcionava como um eucalipto na execução das bolas paradas. A tudo isto, Cristiano Ronaldo foi respondendo com uma mal disfarçada arrogância, chegando ao ponto de escolher mal as palavras quando, muito recentemente, afirmou uma coisa sem nexo algum, a propósito deste tema: «Acabado? E o resto que eu fiz? E o meu passado?»
Também Roberto Martinez se mostrou pouco à vontade não só quando foi chamado a pronunciar-se sobre a utilização de CR7, como ainda – mais ainda, diria – quando teve de gerir a sua utilização.
Por exemplo, no Campeonato da Europa realizado em junho/julho de 2024 na Alemanha, Martinez utilizou Cristiano Ronaldo em 486 minutos dos cinco jogos disputados por Portugal nos 17 dias em que esteve em competição, sem resultados positivos. Pela primeira vez o astro do Al Nassr ficou em branco num Europeu (e já esteve em seis, com um primeiro, um segundo e um terceiro lugares, com 11 golos marcados), e o seu rendimento foi, para os padrões a que habituou o mundo, modesto.

ALGUMA COISA MUDOU
Porém, desta vez, alguma coisa mudou, quer no discurso de Martinez, quer na atitude Ronaldo. E para melhor. O treinador espanhol começou, finalmente, a lembrar que é preciso ter em conta a idade de CR7 e dosear os seus esforços, de forma a dele tirar o melhor rendimento possível. Não se trata propriamente de descobrir a roda, mas admito que não tenha sido fácil, atendendo a várias conjunturas que se cruzam, fazê-lo. E quais são essas conjunturas? Nunca fui adepto de teorias da conspiração, e continuo a achar que a explicação mais simples é sempre aquela que mais se aproxima da realidade. Portanto, Cristiano Ronaldo nunca foi convocado porque o empresário tinha o selecionador no bolso, nem a marca que equipa a Seleção o exigia contratualmente. Simplesmente, CR7 tem um peso específico intangível e infungível na Seleção que, se quisermos, ficou patente na forma como o estádio da Luz acolheu a sua entrada na partida com a Escócia, atingindo o ponto de ebulição, e ganhando um novo ânimo que foi importante para a ‘remontada’ lusa.
Também o próprio Cristiano Ronaldo terá percebido que não é crime de lesa-Pátria utilizá-lo apenas na medida em que ele pode ser útil, sem a obrigação, a que julgava ter direito, de estar em campo todos os minutos, e levando a mal, como se viu no jogo com a Suíça no Mundial do Catar, se não era chamado ao onze inicial, ou mandando-o a jogo, pateticamente, na partida contra a Geórgia no Euro 2024.
Mas há mais, no que respeita à gestão de todos os jogadores, especialmente de CR7, que tem quase 40 anos: uma coisa é fazer dois jogos em quatro dias quando se está no início da época com meia dúzia de encontros nas pernas; outra é, no fim da época, quando o calor aperta e os jogos jogados já andam pelas seis dezenas, ter um mês para realizar um esforço final de sete partidas ao mais alto nível. Portanto, nesta fase, andou bem Martinez ao reservar Cristiano Ronaldo no jogo com a Escócia, e mostrou inteligência emocional ao escolher a segunda parte para lançá-lo para as quatro linhas, sabendo do efeito galvanizador que teria perante as bancadas e não só.

O ‘NOVO’ CR7
Mas há que ser justo e dizer que também esteve bem Cristiano Ronaldo nos 45+5 minutos que teve contra os escoceses, ao abandonar a pose de ‘prima dona’ que tantas vezes se lhe viu nos últimos tempos, passando mais tempo a gesticular com os árbitros e a protestar com os colegas do que empenhado no jogo, e a arrancar uma exibição virada para o coletivo, em que, para além do golo da vitória e das duas bolas aos ferros, teve muitos momentos de entendimento com os companheiros, não procurando fazer tudo sozinho (magistral a tabela de calcanhar com João Félix, que rematou para grande defesa de Gunn), e empenhou-se na ajuda defensiva, sprintando na recuperação de duas bolas quando os escoceses saíam para o contra-ataque. Houve, na exibição de Cristiano Ronaldo contra a Escócia, uma integração na equipa e uma humildade e respeito pelo coletivo que já não se via nele há muito tempo. Este Cristiano Ronaldo, que é usado na medida do que tem para dar, e que se dá à Seleção Nacional sem secar tudo à sua volta, acrescenta e continuará a ser bem vindo, ao contrário do ‘outro’, que espero que tenha ido embora de vez.

INTENSIDADE CONSTANTE
Quanto à Seleção Nacional, onde as opções continuam a abundar, Roberto Martinez, desde que não abuse e mantenha alguma coerência, tem matéria prima para dar fogo à sua vertente camaleónica, quer mudando o sistema sem mexer nos jogadores em campo, quer introduzindo as mudanças que quiser no sentido de manter a equipa portuguesa sempre com um ritmo alto. Com tanta fartura e cinco substituições para fazer, não há nenhuma razão para a equipa tirar o pé do acelerador, a não ser por estratégia, se a opção for de baixar linhas para aproveitar espaços nas costas do adversário. Mas com um meio-campo tão rico e tão pressionante, com duas opções de excelência para cada lugar, a vocação desta equipa será sempre mais virada para a frente do que de marcha à ré. Aliás, foram os períodos de desconcentração, em que sem razão nenhuma se tirou o pé do acelerador, aqueles que mais danos causaram à Seleção Nacional, com Roberto Martinez e não só.

PS - Palavra final para Rafael Leão: tem cinco anos pela frente para se afirmar como um dos melhores jogadores do mundo. Oxalá tenha cabeça para conseguir aproveitá-los e deitar cá para fora todo o seu potencial, porque futebol não lhe falta."

Martínez na Seleção: os factos às vezes são chatos


"Desde Luiz Felipe Scolari, mesmo com títulos internacionais entretanto ganhos, nenhum selecionador nacional foi especialmente querido pelos portugueses. Martínez é mais um

Talvez seja um sinal dos tempos e da forma ultrarrápida como recebemos informação. Ou da paciência que muita gente ainda tem, nas redes sociais ou via email, para gastar tempo a falar do trabalho dos outros. Ou talvez seja apenas da condição humana.
A verdade é que subsiste a perceção de que Roberto Martínez não é excecionalmente bem-querido pelos portugueses, apesar dos resultados que tem demonstrado, mesmo sem ter sido campeão da Europa como todos achamos que podemos ser quando estamos em modo otimista.
Estou em crer, aliás, que nenhum selecionador, depois de Luiz Felipe Scolari, foi bem-amado pelos portugueses. E mesmo antes é difícil encontrar um consenso — lembremo-nos de António Oliveira, por exemplo.
Carlos Queiroz nunca foi uma figura consensual, e assim permanecerá exceto entre quem percebe o que já tinha feito pelo futebol português no ponto de viragem entre os anos 80 e 90 e o que ainda poderia fazer se alguém quisesse.
Embirrava-se com Paulo Bento pelo penteado com a mesma facilidade com que se dizia que era taticamente conservador.
Fernando Santos foi um engenheiro simpático a quem tão depressa se apontava o mau feitio como o pecado de ser anjinho. Contraditório? As redes que respondam. Foi herói nacional quando venceu os únicos dois títulos da Seleção A, sobretudo o primeiro, e cozido em lume brando nos anos seguintes, porque — imagine-se! — não chegou à final do Campeonato do Mundo nem voltou a ser campeão da Europa.
Martínez fez uma qualificação imaculada para o Euro-2024 e perdeu nos penáltis contra a França nos quartos de final.
E agora apresenta de novo folha limpa, diga-se o que se disser. Se é porque chama Ronaldo é porque chama Ronaldo (gostava de conhecer o primeiro treinador a dizer frontalmente que não o chamaria e não contaria com ele), se aposta em jovens é porque aposta, se não aposta é porque tem receio. Não colocou Geovany Quenda ontem, frente à Escócia? Se calhar não era altura. Pedro Gonçalves e Francisco Trincão merecem oportunidade? Sem dúvida. Mas não confundamos opiniões com factos.
Facto: Portugal é primeiro no seu grupo da Liga das Nações, com duas vitórias em dois jogos. E com dois golos de Cristiano Ronaldo, já agora."