terça-feira, 10 de setembro de 2024

O doping e os árbitros


"No passado sábado tive o prazer de moderar um dos painéis do Ética Summit/2024, subordinado ao tema: «O árbitro e o controlo antidoping: porque não»".
O evento, organizado pelo Panathlon Clube de Lisboa, teve milhares de inscritos e abordou temas muito interessantes.
Mas esta questão, a de se perceber se faz ou não sentido submeter árbitros e juízes desportivos a controlos antidoping, não é recente. Aliás, há muito que tem sido discutida no desporto e na própria comunidade científica, não havendo unanimidade nas opiniões. Percebe-se porquê.
Na sua essência, esse controlo existe para impedir que os atletas (estão em competição direta uns com os outros) adulterem a verdade desportiva, recorrendo a produtos ou métodos que potenciem mais e melhores performances. Na verdade, faz sentido que sejam eles os principais destinatários do escrutínio por impactarem na justiça do jogo/prova caso consumam substâncias que ofereçam vantagens desleais.
A Agência Mundial de Antidoping definiu uma lista de produtos ilícitos (variam de competição em competição) que potenciam ganhos de força, velocidade e resistência, maior lucidez, concentração e foco, mais precisão, pontaria, serenidade, etc. Ora em função dessa catalogação, a questão que os mais céticos colocam é simples: se os árbitros recorressem a esse tipo de produtos, não seria a verdade desportiva beneficiada? Ou seja, se estivessem mais focados, mais próximos das jogadas ou mais ativos mentalmente, não tomariam melhores decisões?
Em tese, sim, mas só em tese, porque na prática podiam consumir substâncias proibidas que piorasse o seu estado normal (por exemplo, as que inebriam, agitam, confundem, aumentam a agressividade e retiram lucidez ou a agilidade de reflexos).
Mas mesmo que o uso de agentes dopantes lhes oferecesse maior capacidade de juízo, a opção seria sempre má e por três razões.
Acompanhem o raciocínio, por favor:
1. Questão ética. Os árbitros/juízes são o garante da aplicação das regras em campo, na pista, no ringue, na arena, onde quer que exerçam a sua atividade. A sua conduta deve ser neutral, equidistante, discreta e acima de tudo, exemplar. Compete-lhes serem uma referência de valores a toda a hora, em qualquer momento. Devem atuar dentro de parâmetros de total transparência e personalizar aquilo que se pretende que o desporto seja: uma atividade sã, jogada, treinada e ajuizada de forma séria e lúcida. A simples presença das palavras árbitro e doping na mesma frase, arrepia. Não faz sentido. Nunca pode acontecer.
2. Questão de saúde. O uso reiterado de substâncias proibidas podem causar dependência e, mais importante ainda, danos graves à saúde a quem as consome. São recorrentes os problemas cardiovasculares (arritmias, pressão alta, ataques cardíacos ou até morte súbita), alterações no sistema nervoso central (insónias, ansiedades, depressões, ideações suicidas, AVC's, etc) e problemas respiratórios (sinusites ou hemorrogias nasais). Um árbitro, um juiz desportivo, é também um atleta e deve manter hábitos idênticos àquele. A ideia é que sejam saudáveis, não que optem conscientemente pelo consumo de produtos que garatem o seu contrário.
3. Competição interna. A esmagadora maioria dos árbitros e juízes desportivos competem entre si. As suas atuações são monitorizadas, os seus testes avaliados. Os árbitros de futebol, por exemplo, fazem provas físicas recorrentemente. Se estiverem "dopados", ganharão benefício ilícito sobre os seus pares. O mesmo em relação às suas atuações em campo. A vantagem desleal é batota e essa fere sempre quem compete de igual para igual.
Moral da história: os árbitros deviam fazer os mesmos testes, do mesmo modo e padrão que fazem os atletas profissionais? Se calhar, não. Mas cada federações podia ponderar a possibilidade de criar mecanismos internos de prevenção, controlo e punição, para salvaguardar que todos cumprem, de igual para igual, as melhores práticas que o desporto pressupõe.
Esta é uma discussão que vale a pena ter."

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